Origem da devoção
Na Sicília, existe um culto muito intenso a três jovens santas virgens, Lúcia de Siracusa; Ágata, padroeira de Catania; e Rosália, padroeira de Palermo. O seu culto estendeu-se a todos os países onde chegaram as hostes de emigrantes sicilianos, que trouxeram consigo a memória pungente da sua ilha natal e das suas tradições, juntamente com o culto sincero e profundo aos três santos sicilianos. Mas Lúcia de Siracusa († 304) e Santa Ágata de Catania († 250 ca.) foram martirizadas durante as perseguições contra os primeiros cristãos. Já santa Rosália é uma virgem não mártir, que viveu muitos séculos depois e se tornou a padroeira de Palermo, em 1666, com um culto oficial estendido a toda a Sicília.
No entanto, a “Santuzza”, como é carinhosamente chamada pelos palermitanos, estabeleceu-se como uma das santas mais conhecidas e veneradas no cristianismo siciliano e em particular no de Palermo; ainda hoje, em qualquer parte do mundo, os palermitanos se encontram, trocam a saudação “Viva Palermo e Santa Rosália!”.
Mesmo com lendas de seu passado, não há como negar a santidade
Infelizmente, há pouca informação sobre sua vida, em parte lendária, mas gostaria de considerar com o escritor florentino Piero Bargellini que: “É bem verdade que as lendas são como o vilucchio (trepadeira) em volta do caule da planta; a planta já estava lá antes que o vilucchio a envolvesse. Então, já existia a santidade antes que a lenda a cobrisse com suas flores fantásticas”.
E isso é verdade para todos os santos que em tantos séculos e lugares deram a vida, muitas vezes sofrendo o martírio, permaneceram ignorados, às vezes até por muito tempo, até que sua existência, seu sacrifício, suas virtudes heróicas fossem conhecidas pelo povo de Deus e da Igreja.
Suas origens
É o caso de Santa Rosália que nasceu em Palermo no século XII e, segundo os antigos livros litúrgicos, morreu em 4 de setembro de 1160 com a idade de 35 anos. Diz a lenda que era filha do duque Sinibaldo, senhor feudal, senhor de Quisquinia e Rose, localidades situadas entre Bivona e Frizzi, na zona de Palermo, e de Maria Guiscarda, prima do rei normando Rogério II; muito jovem, foi chamada ao Palazzo dei Normanni, à corte da rainha Margherita, esposa de Guilherme I da Sicília (1154-1166); sua beleza atraiu a admiração de nobres cavaleiros; segundo a tradição popular, o pretendente mais assíduo foi Balduíno, o futuro rei de Jerusalém.
Rosália viveu naquele feliz período de renovação cristã-católica que os reis normandos restabeleceram na Sicília, depois de expulsarem os árabes que a haviam tomado de 827 a 1072; favorecendo a expansão dos mosteiros basilianos na Sicília oriental e dos beneditinos na Sicília ocidental; apreciando também a obra religiosa e monástica dos cartuxos de São Bruno e o cisterciense de São Bernardo de Clairvaux.
Fervor e renovação religiosa
Nesta atmosfera de fervor e renovação religiosa, enraizou-se a vocação eremítica da jovem nobre Rosália; deve-se dizer que, naquela época, o eremita florescia naqueles séculos, tanto no campo masculino quanto no feminino.
A exemplo dos anacoretas, que abandonavam o seu conforto e a sua vida ativa, retiravam-se para uma gruta ou cela, geralmente nas imediações de uma igreja ou convento, para poderem participar nas funções litúrgicas e ao mesmo tempo ter uma vida religiosa e assistência de monges próximos; então Rosália retirou-se para uma gruta do feudo paterno de Quisquina a cerca de 90 km de distância de Palermo, nas montanhas Sicani, na província de Agrigento no território de Santo Stefano Quisquina, perto de um convento de monges basilianos.
Dali, a jovem eremita, após um período indefinido de penitência, mudou-se para uma caverna no Monte Pellegrino, um promontório estupendo em Palermo; ao lado de uma igreja bizantina pré-existente, em uma cela construída sobre o poço ainda existente.
Fama de santidade e Páscoa
Também aqui nas redondezas, os beneditinos tinham um convento e puderam acompanhar e ser testemunhas da vida eremita e contemplativa de Rosália, que vivia na oração, na solidão e na mortificação; muitos palermitanos subiram a montanha atraídos por sua reputação de santidade.
Segundo a tradição, ela morreu em 4 de setembro, presumivelmente no ano de 1160. Mais tarde, ela foi objeto de culto com a construção de igrejas a ela dedicadas em várias áreas da Sicília, bem como a capela já no Monte Pellegrino e reproduzida em imagens na catedral de Palermo e Monreale; uma igreja foi construída longe, em Rivello (Potenza) na diocese de Policastro.
Após sua morte
Mas, no início de 1600, seu culto havia expirado a tal ponto que ela não era mais invocada nas ladainhas dos santos padroeiros de Palermo; no entanto, isto não exclui um culto ininterrupto ainda que de tom menor, que se prolongou nos quatro séculos e meio, que vão desde a sua morte até 1600. Até ao início do século XVI, os chamados “eremitas de santa Rosalia” vivendo em algumas cavernas próximas àquela onde tradicionalmente viveu e morreu o jovem eremita.
Em meados do séc. XVI, o vice-rei Giovanni Medina mandou edificar, junto à gruta, um convento adaptado à igreja da “Ordem Franciscana Reformada de Santa Rosália e Monte Pellegrino”. Em todo caso, estudiosos hagiógrafos encontraram documentos que atestam, já em 1196, e nas décadas seguintes, que a eremita era chamada de “Santa Rosália”.
Uma recuperação por sua intercessão
E chegamos a 26 de maio de 1624, quando uma mulher (Girolama Gatto) com uma doença terminal, viu em sonho uma menina vestida de branco, que prometia sua recuperação se ela jurasse subir ao Monte Pellegrino para agradecer-lhe.
A mulher subiu a montanha com duas amigas, estava novamente com febre quartã, mas assim que bebeu a água, na qual pinga da gruta, sentiu-se curada, caindo num torpor repousante e aqui a jovem vestida de branco reapareceu para ela, sendo reconhecida como Santa Rosália, que lhe mostrou o local onde estavam enterradas as suas relíquias.
Encontro de suas relíquias
A coisa foi relatada aos frades franciscanos eremitas do convento próximo, que já no século XVI com seu superior Benedetto il Moro (1526-1589), havia tentado encontrar as relíquias (restos mortais) sem sucesso; então retomaram a busca, auxiliados por três fiéis, até que em 15 de julho de 1624, a uma profundidade de quatro metros, encontraram uma pedra de seis palmos de comprimento e três de largura, aos quais os ossos aderiram.
Por ordem do cardeal arcebispo de Palermo Giannettino Doria, a pedra foi transferida para a cidade em sua capela privada, onde foi examinada com os restos encontrados por teólogos e médicos; o resultado foi decepcionante, tendo-se acordado que os ossos poderiam pertencer a mais de um corpo e então nenhum dos três crânios encontrados parecia pertencer a uma mulher.
Prática da devoção a santa Rosália, apoiada pelo cardeal
O cardeal, não convencido, nomeou uma segunda comissão; enquanto isso Palermo foi atingido pela peste no verão de 1624, fazendo milhares de vítimas (a mesma epidemia que atingiu Milão e descrita por Manzoni em seu ‘Os Noivos’). O cardeal reuniu pessoas e autoridades na catedral e todos juntos pediram ajuda a Nossa Senhora, fazendo voto de defender o privilégio da Imaculada Conceição de Maria, argumento conflitante na Igreja da época e, ao mesmo tempo, declara Santa Rosália padroeira principal de Palermo, venerando suas relíquias quando seriam reconhecidas.
A tudo isso se acrescenta a descoberta de dois pedreiros de Palermo, que trabalhando no convento dominicano de São Stefano, encontraram em uma caverna em Quisquina, em 24 de agosto de 1624, uma inscrição latina desconhecida de todos, que se acredita ter sido gravada pela mesma Santa Rosália quando lá viveu e que disse: “Eu Rosália, filha de Sinibaldo, senhor de Quisquina e (del Monte) delle Rose, por amor de meu Senhor Jesus Cristo, decidi viver nesta gruta”, que confirmou a ermida anterior, seguida da do Monte Pellegrino.
Confirmação
Em 11 de fevereiro de 1625, a nova comissão estabeleceu que os ossos pertenciam a apenas uma pessoa claramente feminina, dos três crânios, descobriu-se que dois eram uma jarra de terracota e uma pedra, enquanto o terceiro, que parecia muito grande, foi ampliado por depósitos calcários, que ao serem removidos revelavam um crânio feminino; a primeira comissão também reexaminou os restos mortais e concordou com o resultado da segunda comissão.
A isso se somou a um prodígio. Um homem, tendo morrido de peste, e Vincenzo Bonelli, não tendo informado, fugiu para o Monte Pellegrino e lá, a “Santuzza” apareceu para ele, prevendo sua morte pela peste e ordenando-lhe, se ele queria a proteção para a sua alma, deveria dizer ao cardeal que não se duvida mais da autenticidade das relíquias e as carregasse em procissão pela cidade, só assim acabaria a peste.
Basílica com as relíquias e devoção
De volta à cidade, Vincenzo Bonelli realmente adoeceu com a peste e antes de morrer confessou o que lhe fora revelado. Em 9 de junho de 1625, a urna construída especialmente para as relíquias foi levada em procissão com a participação de toda a população e com grande solenidade; a peste começou a regredir, e, no dia 15 de julho, quando foi feita a peregrinação ao Monte Pellegrino, no aniversário da descoberta das relíquias, não apareceram mais casos de peste.
O cardeal mandou construir um magnífico altar na catedral, onde foi colocada a sumptuosa urna de prata maciça com as relíquias da santa, cujo nome foi tradicionalmente interpretado como um composto de ‘rosa’ e ‘lírios’, símbolos de pureza e união mística; por isso a ‘Santuzza’ é representada com a cabeça rodeada de rosas.
A partir desse ano de 1625, foi autorizado e reavivado pela Igreja de Palermo o culto à virgem eremita rezando e contemplando no Monte Pellegrino, como testemunho de uma ascese cristã excepcional, que, ao longo dos séculos, nunca foi esquecida pelo povo de Palermo. Há 350 anos, os peregrinos escalam a montanha, definida por Goethe em sua ‘Viagem à Itália’ como o promontório mais bonito do mundo.
Era difícil subir a pé, até que o Senado Palermitano mandou construir uma ousada estrada entre pinheiros e eucaliptos em 1725. Palermo sempre homenageou Santa Rosalia, de acordo com os dois feriados estabelecidos em 1630 pelo Papa Urbano VIII, que os incluiu no ‘Martirológio Romano’, ou seja, 15 de julho, aniversário da descoberta das relíquias; e 4 de setembro, dia da morte do ‘Santuzza ‘; as festividades sobretudo a de julho duram uma semana, com a participação de todo o povo e muitos emigrantes que regressam para a ocasião.
A estátua da ‘Santuzza’ cercada por outras estátuas, domina o topo da chamada ‘máquina’ que é uma carruagem em forma de navio, na qual também há uma banda musical, que é transportada pela cidade, toda chamada “U Fistinus”.
A segunda festa a 4 de setembro realiza-se em peregrinação ao santuário do Monte Pellegrino, onde incorporando a gruta se construiu um santuário, cuja pitoresca fachada remonta ao século XVII, no seu interior se acumularam muitas obras de arte dos vários séculos sucessivos; uma parte ainda está aberta ao céu, as paredes estão cobertas de ex-votos e lápides deixadas por visitantes ilustres.
Visitas a suas relíquias
Uma porta separa, esta primeira parte do santuário da gruta onde se encontram altares e singulares obras de arte, que recordam a presença do santo; em frente ao local onde foram encontradas as relíquias de ‘Santuzza’ ergue-se o estupendo altar coberto por um dossel, com um suntuoso sacrário encimado por uma estátua de prata do santo, doada pelo Senado de Palermo em 1667. Sob o altar é venerado a estátua de 1625, que representa santa Rosália no ato de exalar seu último suspiro e que foi coberta de ouro por ordem do rei Carlos III de Bourbon (1716-1788).
À gruta da montanha subiam, juntamente com os peregrinos anónimos, também muitos visitantes ilustres para venerar a santa eremita; autoridades eclesiásticas, príncipes, reis, imperadores, homens de letras, poetas, músicos, artistas.
As relíquias depositadas na artística e maciça urna de prata estão guardadas na Catedral de Palermo.
Santa Rosália, rogai por nós!