19 de abril: Povos indígenas lutam por mais visibilidade e valorização

Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) realiza ciclo de debates sobre: "Defesa dos Segmentos mais Vulneráveis", com foco nos impactos socioambientais do corredor logístico da Amazônia oriental. Da bancada, representantes indígenas acompanham audiência pública. Foto: Pedro França/Agência Senado

Ainda vivendo às margens dos direitos que lhes são outorgados pela Constituição, os povos indígenas clamam neste 19 de abril por um olhar atento. Muito mais do que uma questão de bem-estar, ter a terra homologada, a oferta singularizada de serviços de saúde e educação, assim como o respeito às suas tradições são condições mínimas para sua sobrevivência. Apesar do cenário desolador de violência que os circunda — aliciamento, assassinato, suicídio, abuso sexual de mulheres e menores —, e muitas vezes enfrentando situações degradantes, sob fome e moléstias, a partir da invasão de suas terras e da contaminação dos rios, os indígenas se mostram capazes de resistir, aumentando sua visibilidade e valorização.

Parte dessa crescente visibilidade está presente na recente escolha de mulheres e homens indígenas para órgãos do Poder Executivo que têm a função de garantir os direitos constitucionais dos povos originários. Inédito, o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas pode ajudar a fazer cumprir a legislação e a desfazer o preconceito que persiste, por uma leitura errônea e distante da realidade, ainda tão comum por parte da população brasileira.

— Nós não somos o que, infelizmente, muitos livros de História ainda costumam retratar. Se, por um lado, é verdade que muitos de nós resguardam modos de vida que estão no imaginário da maioria da população brasileira, por outro, é importante saberem que nós existimos de muitas e diferentes formas. Estamos nas cidades, nas aldeias, nas florestas, exercendo os mais diversos ofícios que vocês puderem imaginar — disse a ministra Sônia Guajajara em seu discurso de posse no Ministério dos Povos Indígenas, em janeiro deste ano.

A ministra salientou que “a invisibilidade secular que impacta e impactou diretamente as políticas públicas do Estado é fruto do racismo, da desigualdade e de uma democracia de baixa representatividade, que provocou uma intensa invisibilidade institucional, política e social, nos colocando na triste paisagem das sub-representações e subnotificações sociais do país”.

— São séculos de violências e violações e não é mais tolerável aceitar políticas públicas inadequadas aos corpos, às cosmologias e às compreensões indígenas sobre o uso da terra — expôs Sônia Guajajara.

Posse da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, no Palácio do Planalto

 

Visibilidade
Essa maior representatividade — também evidenciada pela escolha de Joenia Wapichana para a presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do advogado Ricardo Weibe Tapeba para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) — é reconhecida como uma nova época para os povos originários.

Autor do livro A terra uma só e um dos coordenadores da Comissão Guarani Yvyrupa, Timóteo Verá Tupã Popygua destaca essa maior flexibilidade de inserção e participação dos indígenas em setores governamentais.

— Essa é uma conquista dos povos indígenas. Esse reconhecimento é muito importante porque somos povos originários, temos os direitos de qualquer brasileiro, sem nenhuma distinção de qualquer natureza, como diz a Constituição. Somos iguais perante a lei. Isso é muito importante para nós, para a nossa luta. A sociedade tem de reconhecer que somos parte dessa nação brasileira. Historicamente, após os 500 anos, pela primeira vez o governo brasileiro começa a reconhecer a importância dos povos indígenas nesses setores para fortalecer a educação, a saúde e a demarcação de terras.

Para o professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Danilo Silva Guimarães, tem havido nos últimos anos um grande movimento de valorização dos povos originários, numa espécie de resposta a tantos ataques aos seus direitos.

— As pessoas estão buscando mais as suas origens, estão querendo conhecer mais. Há uma estratégia dos povos indígenas de conferir visibilidade à sua presença nos contextos urbanos, no contexto das aldeias, em todo o território, porque os indígenas estão em todos os espaços. Isso tem mudado e espero que não seja uma coisa de fase, mas perene, duradoura. Ainda temos muitos resquícios de concepções atrasadas sobre os povos indígenas, que ainda os inferiorizam.

Professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pesquisadora no campo da Etnologia Indígena, Lucia Helena Rangel também confirma que há “um fundamento do menosprezo” por parte da população com relação ao indígena, mas que a situação começa a ganhar novos contornos.

— O que há de diferente hoje é que os próprios indígenas se organizaram, se juntaram, ficaram mais fortes e aí colocaram a visibilidade deles na pauta da sociedade. Mesmo que a maioria ainda ache que eles não merecem, já há uma boa parte que discorda. Os indígenas tiveram conquistas políticas. Isso começou em 1970. De lá para cá eles foram se organizando. A Constituição de 1988 é um marco a favor dos indígenas — afirma Lucia Rangel.

Resultados preliminares do Censo Demográfico 2022, recém-divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que há hoje no Brasil 1.652.876 de indígenas, número aproximadamente 84% maior do que o contabilizado no levantamento de 2010, quando eles somavam 896,9 mil pessoas (817,9 mil declaradas). Há 13 anos, os indígenas estavam divididos em 305 etnias e comunicavam-se em 274 línguas diferentes, dados ainda não atualizados e anunciados pelo atual censo.

Antipolítica
O uso da terra é, sem dúvida, a questão mais conflituosa entre indígenas e não-indígenas. Apesar de a Carta Magna assegurar em seu artigo 67 que a União concluiria a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição (1988), isso não ocorreu. E o descumprimento legal assevera as disputas nos campos e nas florestas.

A homologação de terras indígenas esteve estagnada nos últimos quatro anos, diante do que especialistas nomearam de “antipolítica indigenista”. Treze processos demarcatórios estão agora em fase de conclusão para serem efetivados pelo governo federal nos próximos meses em áreas das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul.

Mesmo em áreas já homologadas, o desrespeito à posse indígena é algo corriqueiro. Na maior terra indígena do Brasil, a dos ianomâmis — que congrega cerca de 31 mil indígenas em aproximadamente dez milhões de hectares — a forte presença do garimpo, unida à ausência do Estado, provocou uma situação de miséria, desnutrição, doenças e abusos a que foram submetidos homens, mulheres, jovens e crianças. A gravidade do quadro ganhou holofotes, com repercussão mundial.

A crise humanitária exacerbada pela invasão e exploração ilegal da terra ianomâmi levou o Senado a instalar, em fevereiro deste ano, comissão externa temporária criada para acompanhar a situação dos ianomamis e a saída dos garimpeiros de suas terras. O colegiado terá 120 dias para concluir seu trabalho.

 

leia mais – Fonte: Agência Senado