No ano passado, mais de cinco mulheres ou meninas foram assassinadas por hora no mundo. Os dados constam de um novo estudo das Nações Unidas sobre violência de gênero.
De todos os feminicídios cometidos em 2021, 56% foram pelas mãos de parceiros íntimos ou familiares. Para a ONU Mulheres, o número mostra que a casa deixou de ser um lugar seguro.
É preciso melhorar as investigações e protocolos
A pesquisadora-sênior do Instituto Igarapé, no Rio de Janeiro, Renata Gianini, disse à ONU News, que existe dificuldade para tipificar o crime contra a mulher no Brasil como feminicídio.
“De fato, a gente tem essa dificuldade. Eu acho que uma das principais necessidades é melhoras as investigações dos casos de feminicídio. Existem pistas bastante contundentes na hora de investigar que nos ajudam a determinar se um caso de assassinato de uma mulher é ou não é feminicídio. Isso tem a ver com as circunstâncias desse assassinato. Eu acho que Protocolo, treinamento adequado, eles são extremamente necessários.”
A pesquisadora informa que não existem dados sobre todos os estados brasileiros. O Igarapé recebe estatísticas de 23 das 27 unidades da federação. Houve um aumento na incidência do feminicídio em 12 estados e redução em oito.
Assinado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime e pela ONU Mulheres, a pesquisa está sendo divulgada pouco antes do Dia Internacional para Eliminação da Violência contra Mulheres, neste 25 de novembro.
Quando se trata dos crimes contra homens apenas 11% são cometidos numa esfera privada. A diretora executiva da ONU Mulheres, Sima Bahous, afirmou que por trás de cada estatística, existe uma história de uma mulher ou menina cuja morte poderia ter sido evitada.
Ação em todos os setores da sociedade
Ela contou que as organizações de direitos das mulheres já começaram a monitorar os dados por mudanças de política e prestação de contas. Para Bahous, é hora de buscar ação concertada em todos os setores da sociedade para que as mulheres e meninas possam se sentir seguras em casa, na rua e em todas as partes.
Já a diretora executiva do Unodc, Ghada Waly, ressalta que ninguém deveria sentir medo de morrer por causa de sua identidade. Para ela, a única forma de acabar com assassinatos baseados em gênero é contar cada um deles.
Ela acredita que é preciso delinear melhores políticas de enfrentamento do feminicídio com respostas efetivas na prevenção e na justiça penal.
O estudo sobre feminicídio de 2022 revela que não houve mudança nesse tipo de crime na década passada. Para a ONU, é necessário prevenir o flagelo da violência a mulheres com ações mais fortes.
Feminicídio começa com violência psicológica e moral
Embora os números sejam alarmantes, a verdadeira escala do feminicídio pode ser ainda maior.
A especialista do Instituto Igarapé, Renata Gianini, diz que para reduzir esse tipo de crime é preciso reduzir a desigualdade de gênero.
“A gente só vai conseguir reverter essa realidade, se a gente reverter essa desigualdade. É um trabalho de muito longo prazo, que exige investimento, muita educação, mas é um trabalho necessário que foca muito na prevenção. Mas uma coisa que acho importante a gente falar é que o feminicídio é antecedido por uma série de outras violências, que se consideram menos graves. E que na verdade não são. Violência psicológica, violência moral, esses tipos de violência contra mulheres são muitas vezes considerados menos graves, são violências altamente subnotificadas, e elas são um indício de um ciclo de violência. Inclusive, para a gente poder prevenir feminicídios, a gente precisa entender melhor o padrão de todos os tipos de violência contra mulheres, identificá-los, logo no início, para poder, justamente, ter uma atuação cirúrgica e interromper esses ciclos, e prevenir o feminicídio.”
Ásia, África e Europa
Muitas vítimas não são contadas. Vários países têm inconsistências na definição do feminicídios ou na tipificação dos critérios. Estima-se que cerca de 4 em 10 mulheres ou meninas assassinadas de forma dolosa em 2021, não existia informação suficiente para qualificar o crime como feminicídio. Especialmente quando o crime ocorria numa esfera pública.
Além disso, existem disparidades regionais. Enquanto o feminicídio é um problema que preocupa todos os países. A Ásia concentra o maior número de casos de mortes baseadas no gênero em esfera privada no ano passado.
Já a África é o continente onde meninas e mulheres têm o maior risco de serem mortas pelos parceiros e membros da família.
No ano passado, o nível de assassinatos foi estimado em 2.5 em cada 100 mi mulheres africanas se comparado a 1.4 nas Américas, 1.2 na Oceania, 0.8 na Ásia e 0.6 na Europa.
Melhorar coleta de dados de feminicídios e atacar causas na raiz
Ao mesmo tempo, os dados do estudo no início da Covid-19 em 2020 coincidiram com o aumento significativo de mortes baseadas no gênero na esfera privada na América do Norte e no oeste e sul da Europa.
Para a ONU Mulheres, é possível e necessário prevenir essas mortes identificando logo cedo as mulheres afetadas pela violência, dando acesso a elas um centro de apoio e proteção aos sobreviventes, assegurando que a polícia e o sistema judicial sejam mais proativos na resposta às necessidades das vítimas.
Um outro aspecto é a prevenção primária que ataca as causas na raiz da violência a meninas e mulheres incluindo no combate à chamada masculinidade tóxica, normas sociais e eliminação da desigualdade de gênero e estereótipos.
É preciso reforçar a coleta de dados em casos de feminicídios.
O relatório da ONU marca o início dos 16 dias de ativismo contra a violência baseada em gênero. O período termina em 10 de dezembro quando é marcado o Dia dos Direitos Humanos.
Evento na sede das Nações Unidas e mensagem do secretário-geral
Em Nova Iorque, Um evento comemorativo marcou o Dia Internacional, de forma antecipada, com uma mensagem do secretário-geral da ONU, António Guterres.
O chefe da ONU lembra que a “violência contra mulheres e meninas é a violação dos direitos humanos mais generalizada no mundo.”
Ele destaca que a cada 11 minutos, uma uma mulher ou menina morre pelas mãos de um parceiro íntimo ou de alguém da família. E nos últimos anos, com a Covid-19, a situação levou ao aumento de abusos verbais e físicos.
António Guterres ressaltou as mulheres e as meninas que enfrentam ainda uma violência desenfreada online, o discurso de ódio misógino, o assédio sexual, abuso de imagem e sedução inapropriada por predadores.
Para o secretário-geral da ONU, este é o momento para uma ação transformadora que ponha fim à violência contra as mulheres e meninas.
Presidente da Assembleia Geral visita centro de sobreviventes
Já o presidente da Assembleia Geral, Csaba Korosi, visitou um centro de apoio a sobreviventes da violência de gênero na cidade de Nova Iorque.
A visita marca o início dos 16 Dias de Ativismo.
O Centro de Justiça Familiar de Manhattan conecta os sobreviventes e seus filhos com organizações que oferecem gestão do caso, autonomia econômica, aconselhamento e assustência jurídica e penal. ONU NEWS