Amanheci como nos versos da música “A Praça”, grande sucesso de Ronnie Von nos anos 60: “Hoje eu acordei com saudades de você, beijei aquela foto que você me ofertou”. Pois acordei com saudade dos tempos de glória do futebol paranaense nos anos 60. Dos times imbatíveis dos campeonatos estaduais, pois só havia estaduais e Taça Brasil e era um por estado no sistema mata-mata. Metade morria no primeiro tiro e outra metade no segundo. Sobravam os de sempre. Santos, Palmeiras, Botafogo e Cruzeiro e mais algum que corria por fora. Os campeonatos estaduais eram o máximo.
Me lembro do temor que senti aos doze anos quando o Grêmio de Maringá foi enfrentar o grande Clube Atlético Ferroviário, na disputa pelo título estadual de 1963. O jogo foi no final de março de 1964. O Boca Negra tinha Paulista, Sicupira, Fernando Knaipp, Humberto, Paulo Vecchio e Bídio. O Grêmio ganhou em Maringá e empatou em Curitiba. Foi uma festa sem tamanho.
Ontem me bateu uma tristeza enorme. Tristeza é um sentimento que me acompanha quando penso em Grêmio de Maringá e Ferroviário. O primeiro caiu na mão de aventureiros e nem de glórias vive mais, porque desconhece isso há mais 40 anos. Já perdeu o gosto da coisa. E quanto ao Ferroviário, sempre fui contra o seu fim. O Boca Negra é detentor de sete títulos estaduais. História bonita. Aí para levantar grana, fizeram a fusão com Britânia e Palestra Itália, e surgiu o Colorado. Que ganhou meio título – porque a outra metade ficou com o Cascavel. Então, de olho no dinheiro do Esporte Clube Pinheiros, que se chamou Água Verde, o Colorado fez nova fusão e virou Paraná Clube.
Com fartura de dinheiro foi uma festa nos anos 90. Enquanto teve patrimônio, os diretores do Paraná foram torrando. Quando acabou, todo mundo pulou fora. Hoje o Paraná tá à míngua, nas mãos de uns amadores. Lembro isso porque o Paraná Clube já esteve na Série A do Brasileiro, caiu para a série B, série C, série D e hoje não está em série nenhuma. No estadual caiu para a série B e ontem foi derrotado em casa pelo Apucarana por 1 a 0. O Grêmio de Maringá que ameaçou ressuscitar, levou um cacete no Willie Davids do PSTC de 3 a 1. E quem viu o jogo disse que era para ser uns 8 a 0.
Os dois times estão no sétimo e oitavo lugares na Segunda Divisão do Paranaense, liderada por Patriotas, PSTC, Andraus e Laranja Mecânica. Olha o nível da coisa! Misericórdia! E pior: ameaçados de cair para a Série C do paranaense. Mais um pouco o Paraná vai disputar a suburbana contra o Operário Pilarzinho. Por estas e outras eu considero que os meus amigos de Londrina reclamam de barriga cheia do Tubarão, que fica na meiuca da Série B. Bate, apanha, levanta, bate, apanha, levanta e bate de novo. E vai indo.
Eles sofrem porque o Tubarão chega perto de ir para a Série A, mas não vai. Sempre acontece alguma coisa. Muitas vezes quase foi. E também aconteceu de quase cair para a Série C, mas não caiu. Teve sorte. Eles sofrem porque querem o time na Série A.
Mas qualquer sujeito que não torça para o Tubarão e tem facilidade para entender o bagulho percebe que a coisa é simples: primeiro, o cara que controla o Tubarão não quer o time na Série A porque não tem dinheiro para manter o time lá. Futebol hoje em dia é coisa de milionários. Ou bilionários. Vejam o exemplo do Cruzeiro que ficou na Série B três anos porque não tinha dinheiro. A grana apareceu e o time está hoje entre os primeiros da Série A.
Mas meus amigos que torcem para o Tubarão querem, porque como diria o Raul Seixas na música “Gente”, a gente nasceu para querer. “Gente nasceu pra querer, gente tá sempre querendo chegar lá no alto pra no fim descobrir, já cansado que tudo, é tão chato. Mas o engano é bem fácil de se entender”.
O engano é fácil de entender. Futebol virou negócio de milionários e bilionários. Clubes tradicionais estão sendo comprados por árabes, americanos e ingleses. O cara do Tubarão sabe que é vapt-vupt, sem contar a grana que vai jogar no ralo.
Os tempos de glória se foram. Estamos vivendo os tempos de business no futebol. A foto que ilustra esta publicação tem tudo a ver com os tempos de glória. Em abril de 2014, há pouco mais de nove anos, fui no Boqueirão entrevistar Bídio para a série Lendas vivas da Tribuna do Paraná. Que prazer, que honra falar com um dos grandes do passado. Bídio, o Tanque Russo. Atacante do Clube Atlético Ferroviário. Que guarda como relíquia em sua casa talvez a última bandeira do Boca Negra. Parece tão distante da gente quanto aquela dona na Revolução Francesa erguendo uma bandeira nas barricadas. Por pouco não cantei na sala da casa do Bídio: “Allons enfants de la Patrie, le jour de gloire est arrivé! Contre nous de la tyrannie, l’étendard sanglant est levé!”