Em Jerusalém, nesses últimos dias da vida e ministério de Jesus, aperta-se contra ele o cerco dos seus adversários. O evangelho narra que “Quando os fariseus souberam que [ele] tinha silenciado os saduceus, agruparam-se, e um deles, que era especialista da Lei – para pô-lo à prova, perguntou-lhe: “Mestre qual é o maior mandamento da Lei?” (Mt 22, 34-40).
Essa era uma questão real que atormentava a vida quotidiana de pessoas que se queriam religiosamente observantes da lei, como os fariseus, que se esforçavam, sem conseguirem, por cumprir os mandamentos todos da Lei, que eram muitos. Segundo os mais zelosos, eles somavam 613 preceitos e proibições. É também questão que preocupa cristãos nos dias de hoje. A resposta de Jesus ilumina nosso caminho e simplifica toda nossa busca de fidelidade a Deus. Não se trata nem de preceitos e proibições, mas de uma grande e libertadora aventura de amor, que já estava anunciada no Antigo Testamento, sob forma de lembrete e oração, e que Jesus, como judeu piedoso, havia rezado naquela manhã: “(Shema Israel!) Escuta Israel. O Senhor nosso Deus é somente um. Amarás o Senhor teu Deus, com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças” (Dt 6, 4). Jesus conclui: “Esse é o maior e o primeiro mandamento” (22, 38). Sem ter sido perguntado, Jesus prossegue, porém: “Mas um segundo [mandamento], equivalente a esse, é: “Amarás teu próximo como a ti mesmo. Nesses dois mandamentos, se apoia toda a Lei, assim como os Profetas” (22, 39-40). É essa surpreendente equivalência entre os dois mandamentos que vincula e testa nosso amor a Deus. Aqui, se entrelaça nossa paixão por Deus com a compaixão por nossos irmãos e irmãs, sobretudo os mais necessitados e necessitadas. Isto obriga-nos a nos comprometer pela mudança de situações que ofendem ao próprio Deus na ofensa feita aos irmãos, em questões relativas à fome, à doença, à humilhação, à discriminação, à guerra e à paz. Como ficar indiferente à tragédia que se desenrola nesse momento na terra de Jesus, com uma guerra insana, que tirou a vida de centenas de civis em Israel e que, em represália, está levando a um verdadeiro massacre da população civil de Gaza? A primeira leitura da missa deste domingo, tirada do livro do Êxodo já nos mostrava a face de Deus defensor do estrangeiro, do pobre, do órfão e da viúva: “Não oprimas e não maltrates o estrangeiro, pois vós fostes estrangeiros na terra do Egito. Não faças mal algum à viúva nem ao órfão. Se os maltratardes, clamarão a mim e eu ouvirei o seu clamor (Ex. 22, 20-22). Escrevendo às suas comunidades, o evangelista João, de maneira lapidar resume a íntima união entre o primeiro e o segundo mandamento e interpela nossa fé e sobretudo nossas atitudes e compromissos: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos. Quem não ama permanece na morte. Todo aquele que odeia seu irmão, é homicida… Se alguém que tem os bens necessários à sua subsistência neste mundo, vê seu irmão passando necessidade e lhe fecha suas entranhas, como pode o amor de Deus permanecer nele? Filhinhos, não amemos de palavras, nem com a língua, mas em obra e verdade” (1 Jo 3, 14-18).