O evangelho de Mateus desloca de Jerusalém para a Galileia o último encontro de Jesus com os seus discípulos. É para a “Galileia das nações”, que ele os convoca, para este espaço de mistura religiosa e de população explorada economicamente pelos romanos, através de tributos e pelos grandes proprietários que cobravam dos camponeses renda pesada pelo arrendamento de suas terras para o plantio de vinhas, de trigo e cevada, o pão dos pobres.
Vinham atrás de Jesus multidões que estavam como ovelhas sem pastor e que passavam fome. Delas teve compaixão, deu-lhes de comer na multiplicação dos pães e curou-lhes as muitas enfermidades. É para lá que Jesus chama de volta os discípulos, para sua despedida e o seu envio. O cenário é o alto de um monte, o que nos evoca os inícios da boa notícia de Jesus, com o seu sermão da montanha e suas surpreendentes bem-aventuranças: “Felizes os pobres de coração, porque o Reinado de Deus lhes pertence” (Mt 5, 3). Ali, Jesus apresentou sua proposta de um reino de justiça e de paz (5, 3-10). Lembra-nos ainda o monte da transfiguração (Mt 17, 1-13). No evangelho de hoje, Mateus nos narra: “Os onze discípulos foram à Galileia, ao monte que Jesus lhes havia indicado. Ao vê-lo, prostraram-se, mas alguns duvidaram” (28,16-17). A dúvida dos discípulos foi também a das primeiras comunidades, para as quais foi escrito o evangelho, mas é também o retrato das muitas dúvidas que nos assaltam hoje em dia. Mas a esses discípulos hesitantes e mesmo descrentes, o Ressuscitado dá uma consigna: ”Fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-lhes a cumprir tudo aquilo que vos mandei” (28, 19-20). É em nome da Trindade Santa, daquele Pai amoroso e compassivo que Jesus chamava de Abba, “Paizinho”, dele mesmo na qualidade de Filho muito amado e do Espírito Santo Consolador, que não nos deixa órfãos, que receberemos o batismo, selo da presença da Trindade que faz em nós a sua morada. O horizonte do envio não é mais o das “as ovelhas perdidas da casa de Israel”, nem o das exclusões: “Não vos dirijais a países de pagãos, não entreis em cidades de samaritanos”(Mt, 10, 5), mas sim o do envio para “todos os povos” chamados a ser discípulos e seguidores do Cristo. E a raiz de nossa fé e sustento de nossa esperança é a promessa: “Eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (28, 20b). . Na turbulência da hora presente, é um raio de luz e de esperança, a certeza de que o Pai acompanha seus filhos e filhas no seu quotidiano e no seu futuro. A Trindade foi invadida por nossa humanidade pela presença do Filho, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, no seu seio. Em tempos de feroz individualismo do “cada um por si”, a Trindade revela-nos o mistério mais profundo de Deus, uma comunidade de amor e aponta para a irmandade de todos os seres humanos, filhas e filhos do mesmo Pai, tendo por filho primogênito o próprio Cristo, nosso irmão e o Espírito que nos une nos guia e nos inspira. Em tempos de feroz individualismo, do “cada um por si…”, o mistério da Trindade nos revela que só somos verdadeiramente humanos, na solidariedade, quando demonstramos na prática que a vida dos irmãos importa e ali encontro Deus: “Eu vos asseguro: o que fizestes a estes meus irmãos menores, a mim o fizestes” (25, 40). Para Leonardo Boff, “a Trindade é a melhor comunidade”. E Jesus reforça essa centralidade da comunhão entre nós, ao afirmar: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou no meio deles” (18, 20).