Desde muito pequeno, eu era motivo de piada e chacota. Isso tudo começou aos seis anos de idade, ainda na minha infância, quando minha família conquistou uma casa no Conjunto Requião, em 1994. Estávamos tão felizes, mas não sabíamos o que viria. E não demorou muito: começaram aquelas frases e falas cotidianas —
“Saulo, seu preto encardido,
florzinha, viadinho, fala igual homem”
— tanto no ambiente escolar quanto nos espaços de convivência comunitária.
Lembro que a pobreza era muito grande. Meus pais trabalhavam duro para suprir as necessidades básicas, e eu observava tudo isso desde cedo. Algo crescia dentro de mim: a certeza de que eu precisava fazer algo naquele momento para mudar aquela realidade, para construir um futuro melhor para mim e para quem estava ao meu redor.
Sofri muito. Tive que interromper minha infância e juventude para agir e pensar como um adulto. Aos 10 anos, ainda na 4ª série, eu faltava uma vez por semana à escola para entregar panfletos no mercado São José, perto de casa. Recebia R$ 5,00 por dia — e, naquela época, isso fazia muita diferença. Logo depois, comecei a catar latinhas, que na época tinham um valor compensador. Com 12 anos, comprei minha primeira bicicleta (não era nova, rs). Aos 13, passei a ajudar minha mãe a vender cocadas e salgados em alguns dias da semana, mas nunca deixei de ir à aula. Sentia uma necessidade louca de estudar. Foi aí que entendi a importância de se movimentar, lutar, resistir e persistir.
Na 7ª série, fui eleito líder de sala, e nossa turma arrecadou o maior número de prendas para a festa junina do bairro. Como prêmio, ganhamos um passeio maravilhoso para Itambé. Comecei a entender a importância de ter os documentos pessoais em dia e fui atrás de providenciar os meus. Percebi que,
para mudar minha realidade, precisava estudar muito e buscar qualificação profissional. Com essas ideias, passei a ajudar muitas pessoas vulneráveis como eu.
Fui crescendo com o desejo de mudança e de reparação social. Eu pensava: “Eu posso mudar. Eu quero mudar.” E assim eu fiz. Comecei com pequenas ações, voltadas às pessoas mais vulneráveis: à classe trabalhadora, aos núcleos familiares desamparados, à falta de oportunidades. Passei a atuar em questões como gênero, racismo social e estrutural, orientação sexual, etarismo, população em situação de rua, pessoas com deficiência, xenofobia, cidadania, e os apagamentos das lutas de classes sociais e econômicas.
Aos 16 anos, já estava com quase todos os documentos em mãos e consegui meu primeiro emprego registrado na Farmácia do bairro (Farmasim), em 2004. As coisas começaram a mudar. Eu enxergava outra perspectiva de vida. No 3º ano do ensino médio, seguia trabalhando muito. O ativismo chegou para mim muito cedo. Eu poderia ter brincado mais como criança, aproveitado cada fase da vida, mas, aos 17 anos, decidi me envolver de forma prática com a luta contra as desigualdades sociais. Era hora de falar, questionar, conscientizar e incomodar o sistema — seja ele privado, público, social, econômico ou religioso.
Naquela época, infelizmente, não há registros fotográficos. Não havia celular nem câmera, mas tudo está gravado no meu mapa mental. De 2005 a 2025, vivi momentos marcantes na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, livre de preconceitos e discriminações, especialmente para as pessoas que precisavam de atenção especial.
Nos lugares por onde passei e trabalhei, criei estratégias de sobrevivência e de diálogo sobre desigualdades e preconceitos. E foi assim que, nestes 20 anos de ativismo, pude aprender, ensinar e contribuir na defesa e garantia dos direitos humanos básicos de populações mais vulneráveis e excluídas, como a população LGBTQIAPN+.
As primeiras atitudes começaram dentro da minha casa, com minha família, vizinhos, amigos, grupos de jovens, na igreja e no trabalho. Me assumi como um cidadão gay e evangélico — e foi aí que eu nunca mais parei de lutar. Algo crescia dentro de mim a cada dia: o desejo de transformar a realidade, combater desigualdades, ampliar o acesso à informação e criar novas oportunidades.
Estudei e trabalhei ao mesmo tempo. Com isso, tive base para ajudar pessoas marginalizadas, sem força ou acesso. Passei a trabalhar com temas como cidadania, educação como ferramenta de combate às desigualdades sociais, consciência política, combate ao preconceito e respeito às diversidades. Também orientei sobre direitos básicos, importância da documentação pessoal, do voto, como se portar em uma entrevista de emprego, como montar um currículo eficaz, entre outras estratégias de enfrentamento ao preconceito institucional, social e ambiental.
Ajudei muitas pessoas a aliviar o sofrimento com a minha história de luta, resistência e persistência. Em muitos momentos, fui amigo, irmão, pai, mãe, advogado, psicólogo, assistente social, líder religioso, educador, conselheiro — tudo isso ao mesmo tempo.
Aos 19 anos (2007), fui trabalhar no centro da cidade, no ramo de supermercados — primeiro como operador de caixa, depois como fiscal. Ganhei mais conhecimento. Aos 24 anos (2013), fui tocado pelo amor: conheci José Ilton, começamos a namorar, nos casamos naquele mesmo ano e estamos juntos até hoje. Alugamos um apartamento e seguimos nossa jornada. Trabalhei em restaurante como garçom, como auxiliar técnico em meio ambiente, na hotelaria, farmácia, como porteiro, agente educacional no Núcleo Regional de Educação — e, em cada lugar, nunca deixei de ajudar alguém ou militar pelas pautas em que acredito.
De todas as contribuições, a que mais me orgulha é ter ajudado centenas de pessoas a acessarem o mercado de trabalho de forma digna e justa. Com todo o meu trabalho de ativismo, pude impactar mais de 3.500 pessoas ao longo dos anos — seja por meio do acesso ao trabalho, cidadania, atendimento a demandas relacionadas à saúde, educação, assistência social, aconselhamento, orientações, participação em campanhas sociais, entre outras formas de apoio.
Em 2015, entrei na faculdade — mais um desafio e mais uma ferramenta para transformar a sociedade. Com a força do ativismo, pude levar essa missão a outros espaços. Entendi que, por meio da política, era possível ter visibilidade e garantir direitos. Foi aí que decidi entrar para a política. Fui candidato a vereador de Maringá por três vezes: em 2016, 2020 e 2024. Defendi pautas relacionadas à diversidade sexual e de gênero, direitos humanos, educação, saúde e sustentabilidade.

Vivenciei muitas experiências e ocupei lugares que jamais imaginei. Em 2021, fui convidado para ser o primeiro gerente de Diversidade da Prefeitura de Maringá — um cargo de confiança no poder público. Com toda a bagagem do ativismo e a vontade de romper bolhas sociais, contribuí com ações inéditas na cidade para promover o respeito à diversidade sexual e de gênero. Implantei políticas públicas afirmativas LGBTQIAPN+, criei campanhas educativas contra a LGBTIfobia, promovi capacitações para servidores, articulei a proposta de criação do Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas LGBTI+ (não aprovado), organizei mutirões de empregabilidade LGBTI+ e trans, ajudei a implantar o ambulatório trans, entre outras ações.
Representei Maringá como gestor público em Brasília, São Paulo e Curitiba, no Fórum Nacional de Gestoras e Gestores Estaduais e Municipais de Políticas Públicas para a População LGBT (FONGES), onde atuei de 2021 até julho de 2024.
No dia 28 de junho, quando é celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, comemoro também meus 20 anos de ativismo: lutas, resistências e conquistas em prol da população LGBTQIAPN+ e dos Direitos Humanos. Eu completo 37 anos no mesmo mês, no dia 12/06. São muitas lembranças, memórias e vidas impactadas. Não foi fácil, mas chegamos a 2025.
Conquistei, junto com meu companheiro, nosso carro, nosso imóvel, nossas coisas. Me formei em Economia, sou pós-graduado em Controladoria e Gerência Financeira. Atualmente, sou servidor público municipal na área da Educação, filiado e representante de local de trabalho da Secretaria de Educação/Administrativa do SISMMAR (Sindicato dos Servidores Municipais de Maringá). Sou ativista nas áreas política, ambiental, LGBTQIAPN+ e de Direitos Humanos.
Atuo como voluntário na divulgação de vagas de emprego, trabalho e renda em um grupo de WhatsApp que criei e que hoje conta com mais de 500 pessoas. Sigo focado, com o mesmo propósito de quando comecei: fortalecer políticas públicas para a população LGBTQIAPN+ e os Direitos Humanos em geral, com o objetivo de transformar e conscientizar, construindo uma sociedade mais saudável, respeitosa e preparada para impactar positivamente as futuras gerações.
Meu nome é Saulo Gaspar de Oliveira. Quero ocupar todos os espaços de discussão — por mim e pelos meus. Eu nunca vou parar. Por mais diversidade, respeito e oportunidades para todas as pessoas.