ARTIGO: Leitura da Proclamação da República

A “ameaça comunista” foi em 1964 e volta a ser argumento dos golpistas. Por Padre Leomar Antonio Montagna

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Muitos brasileiros são indiferentes à comemoração da Proclamação da República que neste dia 15 de novembro completa 133 anos. O dia 15 de novembro é uma data com pouco prestígio junto à população brasileira e, ao contrário de 7 de setembro (Independência do Brasil), que é comemorado com desfiles escolares e militares, o feriado da Proclamação da República é uma festa tímida, sua popularidade nem se compara à algumas celebrações regionais muito festejadas.

A proclamação da república aconteceu em 15 de novembro de 1889 e resultou na derrubada da monarquia e na instauração da república, a partir de então o Brasil se tornou um Estado laico, e o presidencialismo tornou-se o sistema de governo.

República, do latim res publica, “coisa pública” é uma forma de governo na qual o chefe de Estado é eleito pelos cidadãos ou seus representantes, tendo a sua chefia uma duração limitada. A eleição do chamado presidente da república é realizada através do voto livre e secreto. Assim, a república tem como objetivo principal atender aos interesses dos cidadãos. Neste regime é o povo que elege seu governante, portanto é um regime mais democrático (para a Igreja Católica a Democracia é o regime político ideal: “A Igreja encara com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno; ela não pode, portanto, favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objetivos ideológicos” (Papa São João Paulo II, Centesimus Annus, 46), e é este regime que vigora no Brasil. Atualmente o Brasil está no seu 38º Presidente a comandar o País desde a Proclamação da República.

A Proclamação da República foi um golpe militar que marcou o fim do Império do Brasil e o início da República. A crise do Império, e o fim da Monarquia foi marcada por três questões que abalaram a relação do Império com suas principais fontes de sustentação política: a questão religiosa, a questão abolicionista e a questão militar.

Questão religiosa (fim do Padroado, isto é, da ingerência do Estado nas estruturas da Igreja Católica que estava em conflito com a Maçonaria).

Questão escravocrata (pressão da Inglaterra e implementação da mão de obra assalariada com a abolição da escravatura em oposição aos grandes proprietários de terras).

Questão militar (Pós Guerra do Paraguai, 1864-1870, o ambiente entre a monarquia e os militares ficou instável e o movimento republicano se fortaleceu).

Também as classes urbanas em ascensão buscavam maior participação política e encontravam no sistema imperial um empecilho para alcançar maior liberdade econômica e poder de decisão nas questões políticas.

A Proclamação da República chegou com a esperança de resolver questões que a Monarquia deixou como rastros, modernizar a política nacional e eliminar a herança colonial. Com um discurso liberal e democrático, de fato, a ação fez com que o controle político fosse descentralizado, fazendo com que a população tivesse a oportunidade de ter mais espaço na política brasileira, e a escravidão foi oficialmente abolida.

Entretanto, as mudanças de regime caminharam, inicialmente, por um percurso autoritário e ditatorial. A população de escravos recém-libertados teve uma inserção social dura e sem qualquer auxílio da república. A marginalização de pessoas do interior brasileiro e de famílias pouco renomadas na sociedade causou intensos confrontos e genocídios, como Canudos. Além de tudo isso, ganhava-se espaço político quem herdava poder social, ou seja, a política e economia eram comandadas por barões do café e a elite agrária.

Com tantas mudanças e consequências pós-proclamação da República, o Brasil acabou passando por uma crise econômica e institucional. A República brasileira passou por diversos momentos, sob várias constituições e arranjos políticos. Foram regimes ora mais democráticos, ora mais autoritários. Essas diferenças fazem com que o republicanismo brasileiro seja, normalmente, dividido em seis partes pelos historiadores.

A República e suas fases
Primeira República (1889-1930) – conhecida como República Velha (Coronéis) até a Revolução de 1930.
Segunda República (1930-1937) – crise financeira, falência de cafeicultores, desemprego e criação de uma legislação trabalhista.
Estado Novo (1937-1945) – estado policial, isto é, conduzido com participação de setores militares.
Quarta República (1945-1964) – instabilidade política e tentativas de implementar reformas de base.
Ditadura Militar (1964-1985) – a “ameaça comunista” foi o argumento dos golpistas. Repressão, protestos estudantis, ação expressiva da Igreja Católica em defesa dos direitos humanos, greves operárias e críticas de políticos opositores, perseguições, assassinatos, tortura e censura à imprensa e às artes.
Nova República (desde 1985) – nova Constituição em 1988 como marco da consolidação da redemocratização brasileira.

Uma reflexão importante surge da comparação entre os ideais da propaganda oficial e a realidade concreta. Em relação à República, é possível explorar a contradição entre um sistema que prometia trazer o povo para o centro da atividade política, mas que consolidou-se quase sem envolvimento popular nem na deposição da Monarquia nem na formação do novo governo – o que ocorreu foi uma junção de forças entre as oligarquias que davam sustentação ao Império com uma parte da nova burguesia comercial e industrial.

A investigação sobre a relação do povo com o poder na proclamação da República pode terminar com uma comparação com os dias de hoje. De lá para cá, o que mudou? Apesar de nosso modelo de democracia garantir a representatividade do povo por meio do voto direto e de existirem formas de o cidadão exercer algum controle sobre as esferas de poder, ainda hoje, a atitude popular perante o poder oscila entre a indiferença e o pragmatismo fisiológico.

A República sem povo
Embora mais aberta politicamente do que o Império, a República no Brasil foi organizada por pensadores e intelectuais ligados às classes mais ricas, tanto urbanas quanto rurais e, portanto, interessadas em manter suas vantagens e regalias. Desse modo, a República instaurada no Brasil não era democrática porque, mais uma vez, o povo observou de longe os acontecimentos e não teve o direito de participar diretamente do processo.

Efetivamente a mudança para um movimento republicano alterou pouca coisa no sistema social brasileiro para o povo. A grande mudança esteve no topo da pirâmide social com as oligarquias locais assumindo a máquina pública e podendo fazer parte do poder.

Em 2003, o Brasil viu seu primeiro líder operário chegar ao comando do país, com Luiz Inácio Lula da Silva. Reeleito, Lula fez sua sucessora, Dilma Rousseff. A primeira mulher a presidir o Brasil, porém, foi derrubada em um impeachment por manobras fiscais.

Em meio a uma descrença com a classe política, no geral, em razão de seguidos escândalos de corrupção, os brasileiros elegeram depois Jair Bolsonaro, que assumiu em 2019. O capitão reformado do Exército e ex-deputado federal tinha um discurso radical, contrário ao que chama de politicamente correto e a pautas de minorias, e favorável à ditadura militar e seus torturadores.

Nossa República, em seus 133 anos, foi marcada pelos desdobramentos de sua própria história e, nem sempre esta história tem uma trajetória digna de seus ideais: ser uma nação de todos e para todos.

Pe. Leomar Antonio Montagna
Presbítero da Arquidiocese de Maringá – PR
Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças de Sarandi – PR