A pandemia da Covid 19 acabou. Passado este período de medo e apreensão, saímos de nossos casulos e, enfim, podemos observar com mais tranquilidade o universo à nossa volta. Como aqueles que passam por uma grande tempestade, medimos o que foi salvo e o tamanho dos danos. Nas universidades estaduais os impactos foram muitos. Pelo lado positivo, forçosamente avançamos no emprego de novas tecnologias e na ampliação de redes de colaboração, inclusive com instituições estrangeiras.
Pelo lado negativo, atrasamos o calendário acadêmico e perdemos em qualidade de ensino com as aulas remotas. Cabe destacar que, naquele momento, era o que podia ser feito. O pior foi o que aconteceu no campo político, enquanto a comunidade estava entorpecida pelos efeitos da pandemia, que, no Brasil, se tornou mais grave pela visão negacionista e pela leniência do Estado.
“Enquanto perdíamos parentes e amigos para o vírus
e buscávamos nos proteger, isolados e no teletrabalho,
os governantes de plantão aproveitaram para implantar
de forma autoritária leis impopulares, tentadas em tempos
pretéritos, mas freadas pelos movimentos sociais”.
LEI GERAL DAS UNIVERSIDADES É A PÁ DE CAL
No Paraná, por exemplo, vimos a extinção de carreiras no quadro de servidores, o arrojo salarial e a intervenção na gestão da educação e do ensino superior, cuja pá de cal consiste na implantação goela abaixo da Lei Geral das Universidades – LGU. Gestada na Superintendência da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI) foi submetida às sete universidades que, em sua expressiva maioria, a rechaçaram.
A UEM foi uma delas e, como contrapartida, apresentou a proposta de criação de um índice para definir os repasses financeiros para as instituições, nos moldes do que ocorre no Estado de São Paulo, que possui o melhor sistema de ensino superior do país e da América Latina. No entanto, a sugestão foi ignorada, sendo enviada pelo governador à ALEP a minuta da Lei Geral das Universidades, com apoio de alguns reitores que propuseram ajustes no projeto, talvez na intenção de que se perdiam os anéis, mas era possível salvar os dedos.
O ponto central dos argumentos que rejeitam a lei está na perda da autonomia, questão fundamental, junto com a independência, para o avanço da ciência e que é colocada em risco quando às instituições passam a servir não à comunidade, mas aos seus governantes. Um bom exemplo disto é o que aconteceu no Brasil nos últimos anos, como no episódio em que parte das forças armadas trocam a defesa do estado democrático de direito pela manutenção no poder de um governo rejeitado pelas urnas ou na negação do acesso às vacinas pela população para manter o discurso negacionista do presidente.
“A LGU, sim, colide com o artigo 207 da Constituição Federal
que estabelece que as universidades gozam, na forma da lei,
de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão
financeira e patrimonial. Coloca um cabresto nos reitores e
reitoras que lutam diariamente para manter a qualidade do
ensino, da pesquisa e da extensão, mesmo com cortes de
recursos, a desvinculação de receitas (DREM) e a não
reposição de quadros de servidores aposentados,
falecidos e exonerados”.
Esta inclusive tem sido a forma de chantagear os gestores. Se não implantada a lei o governo ameaça suspender os concursos, autorizados após a aprovação da LGU, mas que se mostram insuficientes, considerando a drástica redução de servidores técnicos nas universidades mais antigas, a alta carga horária dos professores temporários e a limitação do quantitativo de professores em regime de trabalho de dedicação exclusiva que atinge negativamente a produção científica e os programas de pós-graduação. No curto prazo de vigência da lei, já é possível observar o fechamento de órgãos suplementares, que prestam serviços à população e a falta de funcionários em posições estratégicas.
A previsão é que o próximo passo seja o fechamento de cursos, com maior risco para as licenciaturas, e a queda na qualidade do ensino pela sobrecarga de disciplinas distribuídas para professores temporários. Outro risco é o de rebaixamento de notas dos programas de pós-graduação que podem, ainda, ter vagas reduzidas, devido ao enxugamento do quadro de pesquisadores altamente qualificados.
A LGU impõe ao sistema público regras do sistema privado, sem considerar suas diferenças. Desconsiderando que, nesta área, especificamente, o melhor desempenho, exposto em rankings nacionais e internacionais, sempre foi e continua sendo das universidades públicas, apesar dos ataques frequentes que estas têm sofrido. Talvez, porque ainda resistam ao autoritarismo, ao negacionismo e a segregação. Não poderia ser diferente. A universidade pública acredita no poder transformador da inclusão, da diferença, da educação de qualidade e da ciência. Não podemos colocar em risco este patrimônio. Por isso, a formação da Frente pela Revogação da LGU, que conclama à comunidade a restituir a autonomia nas universidades paranaenses. Um outro caminho é possível. Ainda acreditamos.