ARTIGO: QUE PAÍS É ESSE?

Por Edilson Pereira

ARTIGO: QUE PAÍS É ESSE?

foto: arte de Edilson Pereira

 Não existe conceito mais falso no Brasil que o de pátria. Basta perguntar para qualquer pessoa que tem dinheiro o que ela gostaria de fazer agora: cair fora do Brasil. Muitos vão e milhares foram. Outros não vão porque é aqui que tiram a grana para levar uma vida boa e lá fora teriam que começar do zero. E talvez em condições pouco vantajosas. Pergunte a qualquer pessoa que não tem dinheiro: a maioria vai dizer que gostaria de ir embora porque aqui não tem chance de prosperar ou empregos, os mais escolados querem ir para a Europa. Os demais para os Estados Unidos. Ou seja, quem tem e quem não tem dinheiro não pensa em construir um país. Então que porra de pátria amam? A outra. 

Não sejamos cruéis. Se os colonos que chegaram aos Estados Unidos no século 17 tinham como meta construir um país, até porque foram escorraçados da Europa por motivos religiosos, então a América era a terra prometida (promisse land), os que vieram para o Brasil só pensavam em tirar o melhor e cair fora. Eles queriam apenas ganhar dinheiro para viver bem em Portugal. Simples. A mentalidade não mudou em séculos. Sem contar que vieram para cá, para ficar, degredados, párias, prisioneiros, quase sempre gente da pior espécie. Alguns judeus começaram a vir para o Brasil empurrados pela Reforma e Recife e Olinda até progrediram certo tempo.

Mas a Inquisição baixou por aqui e eles tiveram que sair correndo. Faltaram navios para levá-los. Eles foram fundar uma cidade ao norte que se chamou Nova York. O resultado todo mundo sabe. Nunca houve projeto de país. A direita brasileira nunca teve um projeto que não fosse se apropriar dos recursos públicos e dos recursos naturais. E isto permanece até hoje. Os Estados Unidos já eram uma nação razoavelmente organizada e independente quando a Corte Real apareceu foragida no Rio de Janeiro em 1808. O Brasil nasceu aí. Com 15 mil membros da corte vivendo de recursos públicos, porque não trabalhavam. 

Quem trabalhava, sem remuneração, eram os negros. O pintor francês Édouard Manet apareceu no Rio de Janeiro por volta de 1848 como marinheiro. Ele tinha dezessete anos e ficou impressionado: 85 por cento da cidade era negra. Ele só viu negro trabalhando. Os brancos estavam nas redes se abanando, porque o calor era forte. Voltemos no tempo. O Brasil é um país cheio de mentiras. A descoberta do Brasil foi em 22 de abril de 1500. Por um português chamado Pedro Alvares Cabral. O cara veio com 12 caravelas. Vocês acham que Portugal ia equipar 12 caravelas para sair pelo oceano procurando um país para descobrir? Brincadeira. Era claro que os portugueses já sabiam da existência do Brasil. 

Tudo bem. Mas o que eles queriam? Eles queriam o território para fazer o que os europeus fizeram em toda a América Latina e depois na África. Dilapidar. E foi o que fizeram. O grande responsável pela mudança do Brasil da categoria de colônia para Reino Unido, o que acarretou muitas vantagens, não foram os portugueses. Foi um corso nascido em Ajaccio, chamado  Napoleão Bonaparte. Não fosse ele invadir Portugal e botar a corte real para correr, o Brasil não teria conhecido o surpreendente progresso em poucos anos que teve com a família real e que por consequência provocou a separação de Portugal. Mas não havia projeto. 

O que aconteceu foi que os portugueses não poderiam mais suprimir o que foi feito. Sem contar que muitos dos portugueses que vieram se deram bem por aqui e não quiseram voltar. Eles queriam que o Brasil continuasse com Portugal, mas com novo status. Não dava mais. A independência do Brasil foi uma farsa. Para a família real portuguesa não perder o controle do território brasileiro. Tanto que o filho e neto de Dom João VI mandaram no país desde sua volta para a Europa até um golpe de estado militar em 1889. Porque a proclamação da república foi uma quartelada das mais infames e em alguns aspectos traiçoeira porque feita por homens que pouco tempo antes beijavam a mão do imperador. Isso é coisa de gente sacana. 

A república sempre foi uma bagunça. E permanece até hoje. Getúlio Vargas, embora ditador, foi o único a ter visão de grandeza do Brasil e arrancou dos americanos as bases da industrialização com as concessões feitas durante a Segunda Guerra. E também foi quem criou as condições legais para o trabalho ser valorizado e desta forma produzir uma massa salarial que pudesse estimular o consumo. A imigração de estrangeiros, que poderia dar impulso no desenvolvimento brasileiro, foi impedida até 1850, porque a lei brasileira (estudei na pós-graduação em história) impedia a aquisição de terras por estrangeiros. Resquícios da mentalidade de capitania hereditária. 

A presença de imigrantes a partir do final do século 19 ajudou a mudar o perfil do Brasil mas não o suficiente para criar uma unidade robusta. Em parte, porque a grande parcela da maioria, negra ou descendente de negros continua sem o resgate histórico a que tem direito pelo sangue que semearam nesta terra. E sem o qual simplesmente não teria gente no Brasil nos primeiros quatro séculos de existência deste país para que hoje houvesse o que temos hoje. Sem um projeto que contemple todo o povo brasileiro, nunca teremos uma pátria. E muito menos o que comemorar.