A tragédia dos yanomamis, exposta em toda imprensa nacional nos últimos dias, nos permite, mais uma vez, ver a dimensão do que foi o governo Bolsonaro. A ideia de que existe uma classe superior com direitos inalienáveis e licença divina que lhe permite tomar para si e sob a ação da espada as riquezas da natureza e dos povos vulneráveis. Tudo em nome do “progresso e da moral” ou sob o slogan “Deus, Pátria e Família”. Para tanto, aos homens imbuídos do poder, tudo foi permitido, incluindo o uso da mentira e da violência para fazer prevalecer seus desejos mais vis. Foi neste contexto que o general da reserva e que fez carreira na linha dura da ditadura militar, Augusto Heleno, então responsável pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, deu guarida para que os novos bandeirantes donos de garimpos, invadissem o território Yanomami para saquear as riquezas da Terra de Santa Cruz e enriquecer grupos de apoiadores do ex-presidente.
Neste contato dos invasores com os povos originários, legítimos proprietários das terras – agora com registro legal nas instâncias burocráticas, proliferou a doença e a fome. A água e o solo, de onde sai seu alimento, foram contaminados levando a morte de centenas de seres humanos, incluindo crianças e idosos. Estes, em seu leito de morte, pediram socorro ao governo constituído, que lhes negou não só os seus direitos, mas o mínimo de ajuda humanitária.
O mesmo governo que distribuiu Cloroquina para combater a Covid-19, quando não havia comprovação científica de sua eficácia neste caso, deixou de encaminhar o medicamente indicado para malária a milhares de indígenas na região amazônica atacada pela doença para qual o referido medicamento é recomendado. O resultado foi o genocídio, característico dos impérios hispânicos no então denominado novo continente. Foi sob a tutela do estado que milhões de indígenas foram mortos nas Américas para enriquecer um número diminuto de famílias e empresas. Aqueles que sobreviveram foram inicialmente escravizados e posteriormente abandonados como animais sem serventia. Salvaram-se as comunidades que se isolaram nas florestas.
As políticas sociais e ações afirmativas implantadas pré-bolsonarismo, com o propósito de integrar à sociedade grupos vulneráveis, realizando tardia reparação histórica, foram atacadas e desmontadas durante os últimos quatro anos, facilitando a ação destes criminosos acobertados por seus cargos no poder executivo federal.
Como na Alemanha de Hitler, a sociedade virou as costas para aqueles que estavam sendo anulados e perseguidos, lá os judeus, aqui os povos originários – mas também negros, mulheres e comunidade LGBTQIA+. Nos calamos e de olhos distraídos com as fakenews, permitimos a ascensão do fascismo em nosso país. Sim fascismo, doutrina na qual a vida deixa de ser um direito natural inviolável, é reconhecida uma superioridade étnica, reduz-se a participação política da população e se incentiva um nacionalismo exacerbado.
Também voltamos para nosso passado colonial mais distante, com a exploração de nossas riquezas minerais por uma minoria gananciosa que dissemina o ódio e propagava mortes e destruição do meio ambiente. A realidade não “é uma farsa da esquerda”, como declara o ex-presidente, utilizando-se de estratégia comum ao nazismo. A realidade é o que os nossos olhos veem e que os documentos comprovam. Cabe agora a justiça apurar as responsabilidades e ao povo brasileiro gozar o luto, como fizemos com as vítimas do coronavírus, também menosprezadas pelo mesmo governante. Por fim, parafraseando o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania do Brasil, prof. Silvio Almeida, cabe dizer: os yanomamis existem e são importantes para nós.