Foto: Breno Thomé
O Comitê Independente de Assessoramento Extraordinário de Apuração (CIAE-A), instituído pelo Conselho de Administração da Vale para apurar causas e responsabilidades do rompimento da barragem de Brumadinho (MG), concluiu seu relatório final. O documento de 50 páginas, divulgado ontem (21) no site da mineradora, mostra que a estrutura tinha problemas há 25 anos.
A barragem B1, na Mina Córrego do Feijão, se rompeu em 25 de janeiro do ano passado. Desde então, 259 corpos foram resgatados e 11 pessoas continuam desaparecidas. A criação do comitê foi anunciado pela Vale dois dias após a tragédia. Ele foi coordenado pela ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie. Os membros foram selecionados com apoio da consultoria internacional Korn Ferry.
Segundo o relatório, a tragédia ocorreu por instabilidade estrutural com liquefação, fenômeno em que o rejeito sólido se converte em fluido. Os problemas existiam desde a época em que a Mina Córrego do Feijão pertencia à Ferteco Mineração. A Vale comprou a estrutura em 2001. “Desde 2003, a Vale tinha informações que indicavam a condição de fragilidade da B1, além de informações anteriores à aquisição da Ferteco”, registra o documento.
“Em 1995, quando a B1 ainda pertencia à Ferteco, a empresa Tecnosolo apresentou, no projeto executivo do 4º alteamento da barragem, considerações sobre condições desfavoráveis de segurança, sobretudo em relação aos altos níveis freáticos e baixos fatores de segurança”, acrescenta o relatório.
O comitê apontou que em 2003 a Vale contratou o Consórcio Dam DF para realizar a auditoria externa, que encontrou valores de fator de segurança inferiores aos mínimos considerados satisfatórios. Entre 2010 e 2013, auditorias realizadas pela empresa Pimenta de Ávila recomendaram, em todos os anos, a realização de análises de potencial de liquefação, já que o último havia sido feito em 2006 pela empresa Geoconsultoria.
A Vale só foi encomendar um novo estudo em 2014. A Geoconsultoria foi novamente contratada. No entanto, a análise não foi feita com base em novos ensaios e sim a partir de uma reinterpretação de ensaios antigos. “Como resultado, foi apontada a suscetibilidade do rejeito da B1 à liquefação, com a ressalva de que a probabilidade de ocorrência de gatilho seria remota”, registra o relatório.
Em 2016, novos relatórios finalizados pela Geoconcultoria “mostraram resultados desfavoráveis a respeito da estabilidade da B1”. Em 2017, foi a vez das empresas Potamos e Tüv Süd realizarem estudos e ambas calcularam o fator de segurança como 1,06. Em 2018, Tüv Süd acabou atestando a estabilidade da barragem que veio a se romper. Na Comissão Parlamentar de Inquérito criada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), sócios da Potamos afirmaram que se retiraram do processo porque os padrões internacionais preconizam fator de segurança mínimo de 1,3.
O relatório indica ainda que, apesar dos problemas na barragem, não foram identificadas medidas da Vale para remover as instalações administrativas. A mineradora tinha ciência de que uma ruptura exigiria a evacuação do refeitório em até um minuto. A maioria dos mortos no rompimento da barragem é de funcionários da própria Vale e de empresas terceirizadas que atuavam na Mina Córrego do Feijão.
O comitê também listou 25 recomendações, entre elas a revisão dos manuais de operação das estruturas da mineradora e o aprimoramento da metodologia de avaliação de riscos geotécnicos. De acordo com a Vale, em até 30 dias será divulgado um cronograma para implementação das ações sugeridas. A mineradora também afirma que repassará o relatório às autoridades que investigam a tragédia.
Hipóteses do gatilho
A análise também levanta algumas hipóteses sobre o que causou a liquefação. “Há alta plausibilidade de a liquefação ter sido deflagrada por deformação lenta e redução da resistência devido à perda de sucção em materiais não saturados acima do nível freático”. Outra ação que poderia ter funcionado como gatilho é a perfuração que estava sendo realizada na barragem no dia da ruptura. No entanto, o relatório ressalva que “em condições normais, uma campanha de perfuração não deve desencadear liquefação generalizada”.
Em novembro do ano passado, um painel de especialistas, também contratado pela Vale, mostrou igualmente a liquefação como causa da tragédia e relacionou o episódio ao excesso de água na barragem e às chuvas que ocorreram nos meses anteriores. “O painel concluiu que a súbita perda de resistência e o rompimento resultante da barragem marginalmente estável foram devidos a uma combinação crítica de deformações específicas internas contínuas, devido ao creep e a uma redução de resistência pela perda de sucção na zona não saturada, causada pela precipitação intensa no fim do ano 2018”, diz o documento final aprovado.
Elucidar qual foi o gatilho da liquefação tem sido uma preocupação da Polícia Federal, que aguarda o avanço de estudos realizados fora do país para decidir se irá realizar indiciamentos por homicídio. Mais de 70 laudos já foram realizados pela perícia criminal federal. Um deles, entregue em junho de 2019, segundo a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), descreve o alto risco de falha que a barragem apresentava, pelo menos 20 vezes maior que o máximo aceitável pelos critérios internacionais de segurança. “Isso deveria ter motivado a suspensão da operação da barragem”, avalia a entidade.
Para a Polícia Civil e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a discussão em torno do gatilho da liquefação é de ordem acadêmica e ainda motivará muitos estudos ao longo dos próximos anos. Para as duas instituições, já há farto material probatório que identifica responsabilidades e omissões por parte da mineradora. Uma denúncia contra 16 pessoas já foi apresentada e aceita pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
fonte: Agência Brasil