A vida não tem fórmula perfeita. Nem para os vencedores. Não viemos ao mundo para ser feliz. Qual é melhor? Ter sucesso de cara e curtir a vida adoidado ou será “mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e setas com que a fortuna, enfurecida, nos alveja”? E, depois, ser reconhecido? Mesmo depois de morto. Ser ou não ser, eis a questão! Shakespeare matou a charada há mais de quinhentos anos. Não tem escolha. Nem margem de negociação. Só não entendo como Francis Scott Fitzgerald não percebeu. Pois frequentou Princenton e os professores por lá ensinavam estas coisas.
F. Scott Fitzgerald virou grande romancista americano do dia para a noite com seu primeiro livro, “Este lado do paraíso”, que saiu no dia 26 de março de 1920. Era um garoto com pouco mais de vinte anos. Tornou-se o grande romancista americano. Mas numa categoria que seu oponente literário e amigo invejoso, Ernest Hemingway, chamava de escritores de Nova York. Gente da qual não gostava. O sucesso caiu no colo em 1920. Com muito prestígio, fama e dinheiro. Scott passou a década vivendo como maluco e gastando como louco, nem sempre recursos próprios. Adiantava direitos autorais. Escrevia contos para pagar contas. Nem sempre nos Estados Unidos. Paris e o litoral francês entraram na agenda.
E de vez em quando publicava coisa interessante. “O Grande Gatsby” e “Suave é a Noite” foram as melhores. O primeiro de 1925, é o livro mais famoso. O segundo, de 1934, o que ele mais gostava. Scott era bom em títulos. Quase todos bacanas. Outro era “Belos e malditos”. Talvez profecia sobre si mesmo. Quando a década terminou estava arrebentado, sem dinheiro e com uma mulher mentalmente perturbada. E com contas de hospitais para pagar. Quando os anos 30 chegaram estava em precoce decadência. No final dos anos 30 foi trabalhar em Hollywood, como roteirista. Para ganhar dinheiro e pagar contas. Não teve sucesso.
O cineasta Billy Wilder, seu amigo, disse: “Era como contratar um grande escultor para fazer obras de encanamento”. Uma fase quase humilhante. Deve ter sido muito difícil. O personagem Jay Gatsby, de “O Grande Gatsby”, ajuda um pouco a entender o id de Scott. Jay é deslumbrado que não tem grana e na Lei Seca descobre no contrabando forma lucrativa e fácil de ficar rico. E tenta com dinheiro conquistar lugar na sociedade americana. Não consegue. Porque Jay nunca deixou de ser James Gatz, no fundo, pobre coitado. Dinheiro nem sempre traz felicidade. Em “Suave é a Noite”, mais um belo título, Scott tenta exorcizar os seus demônios, principalmente os do relacionamento com Zelda Sayre.
Zelda sobreviveu a Scott mas morreu queimada num incêndio da clínica psiquiátrica em 1948. Scott morreu em 21 de dezembro de 1940, no ostracismo. Enquanto Ernest Hemingway estava no olimpo das letras mundiais. A vida de Scott em Hollywood não foi fácil. Ele fora demitido por Irving Thalberg, o mandachuva da MGM, com quem trabalhou anos antes. E bebia mais do que recomendável. A saúde estava em frangalhos por anos de bebedeiras. Thalberg foi modelo para Monroe Stahr, de “O último magnata”, romance inacabado, publicado em 1941, no qual Scott tenta traduzir a visão do sonho americano a partir de Hollywood.
Scott morreu em consequência do alcoolismo. Thalberg morreu anos antes de tuberculose. Quando morreu aos 44 anos Scott não era ninguém no mundo literário. Sheila Graham, sua derradeira mulher, disse que em 1940 Scott tinha recebido 13 dólares em direitos autorais. Não dava para comprar uma garrafa de vinho bom. Ou bancar rango num restaurante decente. Para se ter ideia, “O Grande Gatsby”, que pode ser considerada sua obra-prima tinha vendido nos quinze anos anteriores 25 mil exemplares. Hoje em dia vende 1 milhão de exemplares por ano no mundo inteiro. E é considerado talvez o melhor romance americano do século 20. Scott não aproveitou nada disso.
O romance entre os dois, Scott e Graham, se é que pode falar assim, porque Scott com pouco mais de 40 anos era um pau d’água doente e provavelmente não seria grande amante, virou filme interpretado por Gregory Peck e Debora Kerr (Deloved infidel, O ídolo de cristal no Brasil, de 1956). No entanto, depois de morto, Scott passou a ser redescoberto e valorizado. Seu nome foi ganhando respeito crítico e interesse de leitores na proporção em que o de Hemingway declinava, o que não o impediu de ganhar o Prêmio Nobel em 1954. Mas não o livrou do suicídio em Ketchum, Idaho, em 1961. Tinha 61 anos. E deixou manuscritos rancorosos embora deliciosos, editado pela última mulher, Mary Hemingway, que renderam um livro que no Brasil se chamou “Paris é uma festa”. Em que, entre outras coisas, sugere que o pinto de Scott era pequeno.
Edilson Pereira – Jornalista e Escritor