CRÔNICA: Lenda Viva – Por Edilson Pereira

Na primeira metade dos anos 60 os pais e irmãos do Celso Portioli foram meus vizinhos na Rua Mem de Sá, na Zona 2. Eu fui um televizinho. Aquele sujeito pobre cuja família não tinha televisão e dependia, como Blanche Dubois, da generosidade de estranhos para ver televisão.

CRÔNICA: Lenda Viva - Por Edilson Pereira

foto: divulgação

Na primeira metade dos anos 60 os pais e irmãos do Celso Portioli foram meus vizinhos na Rua Mem de Sá, na Zona 2, em Maringá. Morávamos no lado esquerdo do terceiro quarteirão depois da Avenida Tiradentes, sentido Avenida Beckman, que hoje não existe mais e era conhecida como a “Avenida do Cemitério”. Sobre Celso Portioli sei que um dia ele nasceu na casa de nossos vizinhos. Não era mais novidade. O Sr. Hercílio e Dona Dib tinham muitos filhos. Entre eles, dois gêmeos. E sempre nascia mais. Quando Celso nasceu, eu estava com quinze anos.
A minha casa era a segunda depois da Rua Antônio Salema e a do pai do Celso era a quarta. Tudo isto tem importância em minha infância porque foi na casa do Sr. Hercílio que eu via televisão até minha família comprar uma Telefunken em 1970, para a gente ver a Copa do Mundo. Então, foram alguns anos. Sr. Hercílio trabalhava com madeiras, e como no final dos anos 60 já não havia muita madeira na região, ele foi se mudando sempre para oeste com sua serraria. Eu fui um televizinho. Aquele sujeito pobre cuja família não tinha televisão e dependia, como Blanche Dubois, da generosidade de estranhos para ver televisão.
Não foi lá que eu vi televisão a primeira vez. Foi no vizinho da frente. Da família do Sr. Ueta. Era amigo de seu filho, Namio. Mas os Uetas não eram tão generosos quanto Sr. Hercílio e Dona Dib e assim quando estes compraram o aparelho, sempre apareci lá como cachorro que caiu de mudança. Não era todo dia. Uma ou, no máximo, duas vezes por semana. Para matar a vontade e saciar as lombrigas televisivas. Também passava, às vezes uma ou duas semanas sem aparecer. Ser televizinho era uma arte. O primeiro mandamento era ficar de boca fechada enquanto os da família agiam normalmente. O segundo era não fazer cara de coitado quando alguém começasse a comer pipocas e balas. E quando eles oferecessem, a gente dizia: “Não obrigado. Acabei de jantar”. 
O terceiro mandamento era óbvio: nunca forçar a barra e desconfiar quando a presença não era agradável. Hora de cair fora. Conto tudo isto porque vi uma foto do Moacir Franco. E ele foi o comandante do primeiro programa de auditório que eu vi. Ele e seu filho Guto. Franco fará 86 anos no próximo dia 5. Ele trabalhava na TV Excelsior com seu programa Moacir Franco Show. Depois foi para a Record com Moacir Franco e Guto. As duas as principais emissoras de televisão dos anos 60, ao lado da TV Tupi.
Moacir Franco era múltiplo. Era apresentador, ator, comediante, cantor e compositor. Como compositor é autor do primeiro grande sucesso de João Mineiro e Marciano, pelo menos o primeiro que ouvi, que foi a música até hoje ouvida “Ainda ontem chorei de saudade”. Bela composição. A dupla já fazia sucesso. Mas com esta música estourou. Franco fazia o papel de mendigo na Praça da Alegria que passou por várias emissoras. Ele gritava o bordão “me dá um dinheiro aí”.
O compositor Homero Ferreira se inspirou neste bordão e escreveu a marchinha de carnaval “Me dá um dinheiro aí”, gravada por Moacir Franco em 1959, que foi o maior sucesso de Ferreira. Franco canta a música no filme “Entrei de gaiato”, de 1959, como o personagem dele na Praça da Alegria. A marchinha estourou no carnaval de 1960. O papel de mendigo foi interpretado por Franco por décadas. Ele é um dos mais duradouros homens de televisão ainda vivos. Uma lenda da televisão brasileira.
Edilson Pereira
Jornalista e Escritor