foto: Ligiane Ciola/O FATO MARINGÁ
Por meio de uma fórmula matemática, um grupo de pesquisadores liderado por um professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) propôs um modelo geral para medir o impacto tanto da omissão quanto das intervenções não farmacológicas existentes para evitar mortes por covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus. A metodologia permitiu quantificar uma conclusão já estável de estudos sobre o vírus: a de que agir rapidamente é um fator crucial para impedir mortes.
Segundo a pesquisa, uma intervenção drástica (que inclui isolamento social total) realizada após transcorridos até 25 dias desde a primeira morte atestada é capaz de barrar até 80% de novas mortes. No cenário em que essa decisão demora mais dez dias para ser tomada, a eficiência reduz para 50%.
ISOLAMENTO RESTRITO É MENOS EFICAZ
Na mesma situação, a intervenção menos rigorosa, em que por exemplo o isolamento é restrito a casos suspeitos e a aposta é na imunização natural da população, a taxa de eficiência cai de 25% para apenas 10%.
Essa política ocorreu inicialmente no Reino Unido e na Suécia; o primeiro país reviu sua postura em março e o outro deve fazer isso neste mês. As projeções do estudo fazem parte de um modelo que considerou variáveis dinâmicas com a exceção de um eventual tratamento com fármacos — várias drogas estão em testes no momento, mas nenhuma com eficiência já comprovada.
AGRESSIVIDADE DO CORONAVÍRUS FICA MAIS EVIDENTE ONDE NÃO HÁ ISOLAMENTO SOCIAL
Já no terceiro panorama investigado, em que nenhuma intervenção é feita, fica ilustrada a agressividade que é característica do novo coronavírus. A Itália, por exemplo, registrou o primeiro morto em 21 de fevereiro e mais de 400 mortes nos 15 dias seguintes, em que não houve intervenção. No dia 9 de março o país optou pelo lockdown (isolamento total). Ainda assim, foram mais de 4 mil mortos no primeiro mês. O país chegou a registrar quase mil mortos por dia no fim de março, número que só caiu na semana passada, após mais de um mês de lockdown (para cerca de 400 por dia). O número total de mortos passava de 23,6 mil no último dia 19.
De acordo com o professor Giovani Vasconcelos, do Departamento de Física da UFPR e líder do grupo de pesquisa que elaborou o estudo, a demora beneficia a atuação por “inércia” do vírus — como pode ser descrita a rápida contaminação pelo novo coronavírus. Pelo fato de a infecção muitas vezes ser assintomática, o vírus consegue percorrer um caminho longo em silêncio.
“De modo geral, o que os governos têm que fazer é agir rapidamente para reduzir o número de mortos porque a janela de oportunidade para isso é muito estreita”, afirma. “Se esperar muito tempo, tudo que vai conseguir fazer é reduzir um pouco o número de mortos”. Vasconcelos explica que a janela de oportunidades para frear o gráfico de óbitos é mais larga no caso dos países que adotam medidas drásticas cedo, mas bem mais estreita para os que demoram a tomar medidas.
Publicações
As conclusões do estudo foram apresentadas em um artigo enviado para publicação na revista científica PeerJ, assinado por pesquisadores da UFPR e das universidades federais de Pernambuco (UFPE) e de Sergipe (UFS). Uma cópia do artigo foi depositada no servidor de pré-publicações medRxiv no último dia 6.
A audiência do pré-print mostra o quanto estudos de medição sobre a eficácia das intervenções existentes atraem interesse — até o último dia 20, o sistema da publicação registrava quase 2 mil visualizações do resumo e cerca de 800 downloads do texto completo. As conclusões do estudo também foram abordadas na nota técnica “Combate ao coronavírus: a janela para intervenções não farmacológicas é estreita”, publicada no servidor de pré-impressão Scielo no sábado (18).
De acordo com o professor Antônio Murilo Macêdo, do Departamento de Física da UFPE, o diferencial do estudo é propor um modelo simples, mas capaz de ser aplicado à realidade de diversos países. No estudo, são mencionados os números de China, Itália e Espanha, além dos do Brasil. “A análise da eficiência de medidas de intervenção é em geral dependente de detalhes de modelos dinâmicos, mas conseguimos fazer uma análise que depende muito pouco de detalhes. A fórmula que conseguimos parece ser bem geral”, explica.
Um exemplo: usando o mesmo modelo, os cientistas investigaram recentemente a baixa taxa de mortalidade na Alemanha, a fim de destacar que medidas o país europeu tomou para manter um percentual inferior ao da Espanha, Itália, Reino Unido e França. A conclusão do estudo em parceria com a Universidade de Stuttgart é de que a política de testagem alemã, que optou por abranger casos suspeitos assintomáticos, permitiu que o país tomasse medidas mais específicas e mais rapidamente, aproveitado a “janela” de atuação disponível.
Fórmula
Para criar a fórmula matemática os cientistas usaram duas variáveis-chaves. Uma delas, chamada de “r”, é a taxa de crescimento exponencial que ocorre no início da epidemia, a “subida acelerada” do gráfico chamado de “curva de fatalidades do coronavírus” — número de mortos ao longo do tempo. A outra, batizada de alfa (“α”), é a variável que busca representar o controle sobre a covid-19, que se espera que ocorra após o ponto de inflexão do gráfico de forma a criar um platô (linha estável que define a ausência de novas mortes) que representa o acumulado de óbitos da pandemia.
A fórmula parte de um modelo matemático simples, chamado de modelo de Richards, que permite suavizar os dados sobre números de morte. Esse tratamento cria uma curva suave, sem os picos sazonais causados pelo processo de confirmação da causa de morte, que nem sempre espelham as datas reais. A opção por investigar número de óbitos passa pelo fato de serem os dados mais confiáveis existentes na comparação com o de casos confirmados, uma vez que a política de testagem da população no Brasil e em vários outros países só abrange casos suspeitos graves.
Grupo de pesquisa
Os pesquisadores pretendem se reorganizar em um grupo de pesquisa específico para o estudo de projeções relacionadas à pandemia de covid-19. Atualmente eles atuam em parceria em grupos do CNPq, entre eles o “Fenômenos de flutuação, dinâmica de fluidos e sistemas complexos”, que Vasconcelos coordena da UFPR. A ideia é investir na análise das intervenções contra o vírus por meio da rede de cooperação.