Há exatamente 160 anos o ditador paraguaio Francisco Solano Lopez declarava guerra ao Brasil depois de apreender o navio Marquês de Olinda que trafegava pelo rio Paraguai e na véspera de invadir o Mato Grosso. A declaração de guerra ocorreu no dia 13 de dezembro de 1864. Brasil e Argentina prevendo o conflito já tinham costurado diplomaticamente e secretamente nos bastidores a Tríplice Aliança.
O Paraguai era um pequeno país com 400 mil habitantes. Os três países da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) somavam 11 milhões de habitantes. O resultado foi um massacre para o Paraguai e um estrago danado para o Brasil que juntamente com a Argentina ficaram com boa parte das terras da nação derrotada. A guerra terminou em março de 1870 com a morte de Solano Lopez e a conta de 300 mil a 450 mil mortos, dos quais trezentos mil paraguaios e sessenta mil brasileiros.
O Paraguai ficou dilacerado. Três quartos da população morreram nos cinco anos da guerra ou no campo de batalha ou por doença e fome. O problema começou no Uruguai, fundado por portugueses (Colônia Sacramento) e habitado nos hispanos nas décadas seguintes. O Império do Brasil tentou reconquistar o território batizando o lugar como Província Cisplastina. Não deu certo. E o Uruguai ficou livre.
O problema foi que uma parte uruguaia (Blancos) queria pertencer à Argentina. E outra (Colorado) queria ficar independente. O Brasil, temendo que a Argentina ficasse com o controle do rio Prata (o Brasil precisava usar o rio Paraguai para chegar ao Mato Grosso e interior do país) ficou ao lado dos colorados de Venâncio Flores contra os blancos, que eram aliados de Solano Lopez.
Lopez por sua vez tinha interesse na região porque era através do Uruguai que escoava os seus principais produtos (erva-mate e madeira) além de demandas territoriais com Brasil e Argentina. Ele suspeitava corretamente das ambições expansionistas dos dois grandes vizinhos.
Como a Argentina na época estava dividida entre os poderes de Buenos Aires (unitários) e dos caudilhos das províncias (federados), Lopez acreditou que teria apoio das províncias argentinas, cujos chefes realmente achavam que deveriam ajudar o Paraguai. Ele confiava receber apoio principalmente do argentino Justo José de Urquiza, governador das províncias de Corrientes e Entre Ríos, rival e hostil a Bartolomeu Mitre, de Buenos Aires.
O problema grave para o ditador paraguaio que se considerava uma espécie de Napoleão hispano-americano foi que Urquiza, que já era rico, acabara de vender 30 mil cavalos para o Brasil (uma forma discreta e elegante de suborno), ficando ainda muito mais rico. O caudilho com o negócio embolsou em valores atualizados algo em torno de 500 milhões de dólares. Ele perdeu totalmente a vontade de brigar, não se animou em apoiar o Paraguai e ainda por cima deu apoio à ofensiva da Tríplice Aliança contra Lopez, que se ferrou de vermelho, azul e branco.
A venda dos cavalos forneceu para o Brasil em grande quantidade o único meio de locomoção em terra nas guerras antes do advento dos veículos movidos a motores. Nas guerras daqueles tempos um general chegava a perder quatro cavalos numa batalha, o que aconteceu em uma das batalhas. A compra brasileira impediu as províncias de fornecer cavalos para Lopez. E desarmou os federados simpáticos aos paraguaios, que ficaram sem cavalos para ir para a guerra.
Eu aprendi na escola que o Brasil venceu a guerra contra o cruel Solano Lopez, depois veio o livro de Júlio José Chiavenato e disseminou a tese de que o Brasil na realidade praticou um genocídio. Uma visão intermediaria e mais correta e ampla fui ter com a leitura do livro A Guerra do Paraguai do jornalista brasileiro Luiz Octávio de Lima. Uma reportagem bem escrita que contempla todos os aspectos do conflito, inclusive a pouco valorizada influência de Elisa Alicia Lynch, a amante irlandesa que Lopez conheceu em Paris e que virou primeira-dama do Paraguai de 1862 a 1970.
Foi o maior conflito na América Latina. Que só perde em mortos e importância nas três Américas para a Guerra da Secessão nos Estados Unidos (1861 a 1865), que praticamente moldou o perfil dos EUA de um país cuja a parte sul queria continuar agrária e se separar do norte e a outra metade tinha ambições capitalistas e imperialistas que prevaleceram. A segunda metade venceu e de cara aboliu a escravidão que mantinha o sistema econômico do Sul. O sul se ferrou bonito e virou uma região pobre e decadente.
Foram mortos no conflito norte-americano 600 mil pessoas, das quais 110 mil em combates ou por ferimentos, 230 mil por acidentes ou doenças, 30 mil nas prisões confederadas e assim por diante. Três por cento da população americana morreram.
A Guerra do Paraguai que no vizinho país se chama Guerra da Tríplice Aliança ainda hoje não saiu da memória do povo paraguaio. Embora amistoso e receptivo, ele nunca deixa de tocar no assunto. Passei cinco dias no Paraguai a convite do governo local, estive em várias partes do país. Um país bonito, porque também me mostraram apenas lugares bonitos. Em todos os lugares ainda se falava da maldita guerra.