Injúria racial
Eram para ser dias de sonho e glamour para a adolescente de Cambé Fernanda Silvério Santos, de 16 anos. Mas a final do concurso Miss Paraná Teen, realizado de 18 a 21 de outubro em Umuarama, acabou se tornando motivo de tristeza e revolta para ela, a família e as amigas.
“Essa Miss Cambé é uma macaca nem deveria estar no concurso tirando a vez das outras”.
O texto, do jeito que está escrito acima, foi divulgado numa página do Instagram em nome de uma outra adolescente que disputava o título. Mas sabe-se que a menina em questão nada tem a ver com o ato. Só teve o nome usado criminosamente por alguém ainda não identificado.
Segundo Tatiane Ribeiro dos Santos, mãe de Fernanda, os primeiros a receberem a mensagem pelo Instagram foram a colega de quarto e o namorado da adolescente. E a mensagem logo se espalhou pelos grupos de WhatsApp do concurso. “Minha filha estava se arrumando no quarto do hotel quando soube. Ela se desestabilizou”, conta a mãe.
Segundo Tatiane, no dia seguinte ao concurso, ela recebeu a informação de que, durante a transmissão da final pelo YouTube, também foram feitos comentários de injúria racial contra Fernanda. “Fui procurar esses comentários, mas o vídeo está bloqueado”, alega.
A mãe lembra de ter passado por situações de racismo na infância e adolescência, mas não imaginava que algo tão grave pudesse ocorrer com a filha. “A Fernanda já sofreu muito bullying na escola por causa do cabelo e por acharem que ela era muito magra.”
Em virtude disso, a adolescente faz terapia. “A gente faz de tudo para fortalecê-la”, conta. O esforço da família parece ter dado resultado porque a adolescente tem se mostrado mais forte de uns tempos para cá. “Mas sinto muita tristeza por vê-la passar por isso. Estamos em 2023. Quanto evoluímos? Não dá para acreditar”, declara.
A família registrou boletim de ocorrência e aguarda que a policia investigue o caso, descubra quem cometeu o crime e que a justiça seja feita.
A mãe diz que a família tem deixado Fernanda à vontade para decidir como enfrentar essa situação.
APOIO DA COORDENADORA
Glacimeire Cardoso, coordenadora e mentora da adolescente no concurso, está indignada com o ocorrido. “Quando a gente vê casos de injúria racial no noticiário, na TV e redes sociais já dói, mas vivenciar é como se arrancassem nosso coração. É inexplicável e terrível.”
Ela alega nunca ter passado por algo parecido durante o tempo que trabalha com concursos de beleza. “Nunca tinha acontecido com nenhuma miss da nossa coordenação e espero que não aconteça nunca mais. Ninguém merece tamanha maldade, ainda mais um crime tão grave como a injúria racial.”
No dia do crime, a coordenadora diz ter procurado acalmar a adolescente para que ela conseguisse o melhor resultado no concurso. “Ajudei a Fernanda a levantar a cabeça e seguir em frente com todo o treinamento que recebeu, mas querendo ou não isso mexeu muito com a gente. Imagina com uma adolescente.”
Glacimeire diz que vai apoiar a adolescente e a família na luta pela justiça. “Fernanda precisa estar preparada para tudo com essa exposição, mas é importantíssimo para evitar que outras pessoas passem por isso.”
ORGANIZAÇÃO DO EVENTO
A organizadora do Miss Teen Paraná, a PróArte Eventos, divulgou nota condenando a injúria racial, mas sem citar o caso ocorrido durante o concurso. “Repudiamos a discriminação racial e não compactuamos com nenhuma forma de discriminação ou preconceito.”
O documento cita a possibilidade de prisão e multa para quem comete crimes de injúria racial e discriminação e diz que “atos que envolvem denúncias de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, ou procedência nacional devem ser devidamente apurados e, quando for o caso, punidos”.
A nota é assinada por Cris Ranzani e Nayara Varini
Procurada pela Rede Lume, Varinidisse estar à disposição para ajudar a família “no que for necessário”.
Advogado vê crime de injúria e discriminação raciais
Com base na mensagem postada no Instagram, o advogado Rafael Colli, do escritório Carneiro, Vicente & Colli – Advocacia Humanista, de Londrina, vê dois possíveis crimes no caso da adolescente. O primeiro é o de injúria racial, previsto no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal. “Basicamente é ofender alguém, de forma subjetiva, utilizando-se de elementos de cor, raça”, explica.
Mas também, no entendimento dele, o autor ou a autora da mensagem cometeu o crime de discriminação racial, previsto no artigo 20 da lei 7716/1989, que é quando alguém pratica, induz ou incita o preconceito racial. “Como neste caso a pessoa que escreveu a mensagem diz que a vítima é uma macaca e que não deveria estar no concurso, essa pessoa cometeu os dois”, analisa.
“Veja que, além do preconceito incutido neste pensamento (de que o preto não é bonito), existe uma grave discriminação também, pois conclui que, por isso (por esta conclusão primitiva e patética de que só o branco é bonito), não deve ser permitido às pessoas negras participarem de um concurso”, diz Colli.
A pena por injuria racial, de acordo com o advogado, vai de um a três anos. Mas, neste caso, é aumentada por ter sido cometida por uma rede social. Isso está previsto no parágrafo 2º, do artigo 141, do Código Penal.
Já a discriminação racial tem pena de dois a cinco anos por ter sido cometida no contexto de uma atividade cultural, conforme o parágrafo 2º, do artigo 20, da lei 7716/1989.
A parte mais difícil do caso, segundo Colli, será identificar a pessoa que cometeu o crime. É preciso buscar o IP do perfil falso. IP é o código que identifica um computador ou celular na internet. “Tratando-se de um caso criminal, o Estado tem o aparato para isso. Encontra-se o IP e, com esse dado, oficia-se o Instagram para obter os dados cadastrais desse perfil”, explica.
Por Nelson Bortolin – Lume Rede de Jornalistas