Na Liturgia deste Domingo, III do Tempo Comum, veremos, na 1a Leitura (Ne 8, 2-4ª.5-6.8-10), a importância da Palavra de Deus na vida das pessoas reunidas em assembleia, isto é, participando da vida da Comunidade, lendo, estudando e fazendo a experiência da Palavra de Deus. A vida e o país são construídos a partir da Palavra de Deus (Pós-exílio). Embora a Bíblia seja o segundo livro escrito por Deus (o primeiro é a vida), e não tendo a finalidade científica, ela forma as pessoas na justiça: “Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar a verdade, refutar o erro, corrigir as faltas e ensinar a maneira certa de viver (educar na justiça), a fim de que a pessoa de Deus seja perfeita, e perfeitamente preparada para toda boa obra” (2Tim 3, 16-17).
Em torno da Palavra, as pessoas tentam reconstruir o país, recuperar a memória do passado e conservar a própria identidade como povo. Esse texto de Neemias é uma catequese, uma liturgia, enfim é um modelo de como deve ser uma Celebração da Palavra:
1º) Gera Comunidade
– Toda comunidade é convocada a escutar a Palavra;
– O local da leitura é cuidadosamente preparado.
2º) Gera louvor a Deus
– O Livro é acolhido de pé, de forma solene e em atitude de respeito. “Para que o mundo creia” (Ex: A reanimação de Lázaro).
3º) Leitura e homilia mexem com a vida do povo
– A Palavra é aclamada pela assembleia, proclamada claramente e explicada numa linguagem compreensível a todos;
– A Palavra interpela e provoca no povo uma atitude de conversão. Falou da vida, dos erros, sofrimentos e esperanças. “Todo o povo chorava ao ouvir as palavras da Lei”. Emoção.
4º) Caráter festivo: “Não fiqueis tristes nem choreis”.
– Tudo termina numa grande festa: a Palavra é geradora de alegria e festa. Tempo da graça de Deus, kairós: “Este é um dia consagrado ao Senhor, vosso Deus”.
5º) Gera partilha, solidariedade, conversão, mudança. “Um novo mundo possível”. Novo comportamento.
O Catecismo da Igreja Católica nos números 2.652 e seguintes, apresenta algumas dicas de como entender melhor a Palavra de Deus – “Os degraus que devemos subir” – Leitura Orante:
1º) Ponto de Partida – conhecer o texto – situar, explicar. Questão: O que diz o texto – exegese.
2º) Meditar o texto, atualizar, ruminar, remastigar, aplicar. Questão: o que diz o texto hoje – hermenêutica.
3º) Suplicar, recitar, orar. Questão: o que o texto me faz dizer a Deus. Resposta – mexe com a vida, força da Palavra.
4º) Ponto de chegada – Contemplação e experiência de Deus. Agir, compromisso com o Reino. Ver o mundo, a vida, o passado, o presente e o futuro com os olhos de Deus.
Salmo 18b
Algumas pessoas, às vezes, nos dizem: “se Deus falasse comigo, se eu o visse etc., faria grandes proezas pelo bem, pela Igreja e assim por diante”. Muitos que o viram crucificaram-no, outros que não o viram creram nele. O critério é se acolhemos ou não a sua Palavra. Neste sentido, o Salmo de hoje (18b) nos ajuda a pensar: “Vossa Lei é perfeita, vossas Palavras são espírito e vida”.
Na 2ª Leitura (1 Cor 12, 12-30), o Apóstolo Paulo nos diz que cada pessoa é um dom para os outros e deve estar a serviço da Comunidade e do bem comum. Os dons que Deus nos dá jamais devem ser usados para desunir, mas para o crescimento mútuo entre as pessoas. Cada pessoa é convidada a louvar a Deus pela diversidade de dons que se manifestam na Comunidade. Deus não precisa nos pedir licença para se manifestar de forma diferente do que pensamos e agimos. A Igreja é o Corpo Místico de Cristo, nela Deus age: fala, ensina, cura, perdoa e salva.
No Evangelho (Lc 1, 1-4; 4, 14-21), vemos as origens da opção de Deus: ‘Galileia’ – terra dos humildes e marginalizados; e também quem são os amigos de Deus – ‘Teófilo’, os que buscam sua intimidade. É neste local, e com seus amigos, que Jesus revela sua missão, seu programa de vida, sua preocupação. Sua Palavra possui a força de Deus, consola, interpela, cura e salva. Quando acolhemos sua Palavra, ela se torna carne: “hoje se cumpriu esta Palavra que acabaste de ouvir”, e nos ajuda a seguir o caminho, livres e felizes: “Passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho”. Não somos apenas destinatários, mas também instrumentos vivos da Palavra. Se ignoramos a Palavra de Deus, nossa vida não terá eixo em torno do qual girar. O Papa São João XXIII dizia que o grande inimigo de Deus no mundo é a ignorância, “que é a causa e a raiz de todos os males que envenenam os povos e perturbam muitas almas” (Encíclica Cátedra de Pedro, 29, 1959). A ignorância do conteúdo de fé significa, geralmente, falta de fé, desleixo, desamor. “Frequentemente, a ignorância é filha da preguiça” (São João Crisóstomo. A corrente de ouro, p. 78).
O Papa Santo João Paulo II recorda que, sem um estudo autêntico da Palavra de Deus, a evangelização não se explicita devidamente, corre-se sempre o risco de desfigurar o significado autêntico e integral da missão evangelizadora e consentir ao mal, às vezes de forma coletiva, que leva à marginalização social.
“O consentimento ao mal, que é um sinal preocupante de degeneração, intelectual, espiritual e moral não só para os cristãos, está produzindo, em numerosos contextos, um desconcertante vazio cultural e político, que torna incapazes de mudar e renovar. Enquanto as relações sociais não mudarem e a justiça e solidariedade permanecerem ausentes e invisíveis, as portas do futuro fecham-se e o destino de tantos povos fica aprisionado num presente cada vez mais incerto e precário” (PONTIFÍCIO CONSELHO JUSTIÇA E PAZ. Para uma melhor distribuição da terra – o desafio da reforma agrária. São Paulo: Ed. Paulinas, 1998, nº 61).
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Pe. Leomar Antonio Montagna
Presbítero da Arquidiocese de Maringá – PR