Na Liturgia deste Domingo, XII do Tempo Comum, veremos, na 1a Leitura (Jó 38,8-11), que, assim como Jó, nós, também, somos atingidos por intempéries ao longo de nossa existência, seja na família, na saúde, nos bens materiais etc. Mas Deus, que cuida de nós, sempre nos responde com seu amor infinito: “O Senhor respondeu a Jó do meio da tempestade”. Deus nos responde, nos questiona, para que cresçamos, nos tornemos mais humanos, “novas criaturas”, por meio dos fatos que nos acontecem. A resposta que cada um deve dar está dentro, no mais íntimo do ser, ou mesmo ao nosso redor. O mundo antigo já não mais nos incomoda, desapareceu, conforme nos diz a 2ª Leitura (2Cor 5, 14-17).
No Evangelho (Mc 4, 35-41), Jesus toca em nossa realidade, isto é, na experiência da ‘travessia da vida’, na qual, muitas vezes, desencadeiam-se tempestades (dificuldades) grandes e imprevistas que podem ser: uma reviravolta financeira, perda de um trabalho, perda de um amor (namorado, cônjuge), resultado de um exame médico, um filho que empreende um mau caminho etc. Enfim, podemos nos deparar com o mar revolto (nosso coração, família, comunidade) e a noite escura da existência: “Nisto surgiu uma grande tormenta e lançava as ondas dentro da barca… estamos perecendo… e Jesus estava dormindo”. Além de nossos problemas pessoais, temos que ficar atentos aos ‘sinais dos tempos’ da ‘outra margem’, na qual, também, há ‘ondas’ que ameaçam a ‘barca’ da dignidade humana e do bem comum: concentração de renda, latifúndio, má educação, desemprego, corrupção, fome, miséria, sistemas econômicos que, na verdade, são sistemas de morte: “Assim como o mandamento ‘não matar’ põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Esta economia mata. O ser humano é visto como um bem de consumo, descartável, resíduo, sobra…. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma” (Papa Francisco, EG, 53 e 54).
Diante de sérios desafios a enfrentar e nos sentindo impotentes, nos vêm os questionamentos: Por que o silêncio de Deus? Por que Ele se esconde? Por que não responde? “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46).
O Papa Bento XVI, no dia 28 de maio de 2006, em visita ao Campo de Concentração de Auschwitz-Birkenau, Polônia, lugar que, em 2014, juntamente com um grupo de pessoas de Maringá, pudemos conhecer, lugar onde, na Segunda Guerra, morreram milhares de pessoas, na maioria, judeus e ciganos. Lá o Papa Bento fez uma prece que surpreendeu a muitos: “Onde estava Deus naqueles dias? Por que ficou em silêncio? Como pôde permitir esse massacre sem fim, esse triunfo do mal? Num lugar como este faltam as palavras, no fundo, pode permanecer apenas um silêncio aterrorizado, um silêncio que é um grito interior a Deus: Senhor, por que silenciaste? Por que toleraste tudo isto?” Questionamentos que muitos de nós também já podemos ter feito em algum instante de nossa vida. E o Papa continuou o seu discurso: “Nós não podemos perscrutar o segredo de Deus, vemos apenas fragmentos e enganamo-nos se pretendemos eleger-nos a juízes de Deus e da história… O nosso grito a Deus deve, ao mesmo tempo, ser um grito que penetra o nosso próprio coração, para que desperte em nós a presença escondida de Deus, para que aquele seu poder que Ele depositou nos nossos corações não seja coberto e sufocado em nós pela lama do egoísmo, do medo dos homens, da indiferença e do oportunismo” (Cf. Site do Vaticano: Viagem Apostólica do Papa Bento XVI à Polónia. Discurso do Santo Padre durante a visita ao campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, domingo, 28 de maio de 2006).
Diante dessas colocações, poderíamos nos questionar: quantas atitudes nossas desviam-nos dos desígnios de Deus frente àqueles que sofrem com a injustiça, a intolerância, a discriminação etc. Diante de tanta injustiça, não é o silêncio de Deus que deveria nos incomodar, e sim nossa desmotivação para combatê-la e construir outro mundo melhor possível. Cabe a nós reparar a injustiça e evitar o mal. Nos salvaremos todos juntos ou, então, miseravelmente, pereceremos.
A fé nos é dada para quando tudo está bem? “Como sois medrosos! Ainda não tendes fé?” Quantos sinais e ações de Deus em nosso favor, e porque a fé está ausente? São Gregório nos diz como devemos viver a fidelidade da fé: “A hostilidade dos perversos soa como louvor para a nossa vida, porque demonstra que temos ao menos um pouco de retidão por sermos uma presença incômoda para os que não amam a Deus: ninguém pode ser grato a Deus e aos inimigos de Deus ao mesmo tempo” (Ezechielem Homiliae, 9).
Foi a confiança em Deus que, naquele dia, salvou os discípulos do naufrágio. Mas, acima de tudo, foi o fato de levar Jesus na barca, antes de começar a travessia. Esta é, também para nós, a melhor garantia contra as tempestades da vida. Levar Jesus conosco. O meio para levar Jesus na barca da própria vida e da própria família é a fé, a oração e a observância dos mandamentos. Jesus não nos prometeu imunidade frente aos problemas da vida, mas nos dá sua força para superá-los. O apóstolo Paulo nos fala de um problema sério que teve de enfrentar em sua vida e que ele chama de “um espinho em minha carne”. Muitas vezes, diz, rogou ao Senhor que lhe libertasse dele e o que respondeu? “Minha graça te basta, minha força se mostra perfeita na fraqueza”. Desde aquele dia, começou, inclusive, a gloriar-se de suas fraquezas, perseguições e angústias, até o ponto de poder dizer: “Quando estou fraco, então é quando sou forte” (2 Coríntios 12, 7-10).
Penso que a Liturgia deste domingo quer acentuar que Deus se importa com nossa vida, cuida de nós todo tempo. Uma história citada com frequência fala de um homem que teve um sonho. Via dois pares de pegadas que se haviam ficado gravadas na areia do deserto e compreendia que um par de pegadas eram as suas e o outro par de pegadas eram as de Jesus, que caminhava a seu lado. Em um certo momento, um par de pegadas desaparece, e compreende que isso sucedeu precisamente em um momento difícil de sua vida. Então se lamenta com Cristo, que lhe deixou só no momento da prova. “Mas, eu estava contigo!”, respondeu Jesus. “Como é possível que estivesse comigo, se na areia só se vê um par de pegadas?”. “Eram as minhas” – respondeu Jesus. “Nesses momentos, eu havia te carregado”. Lembremo-nos disso, quando também sentirmos a tentação de queixar-nos com o Senhor porque nos deixa sozinhos.
Interessante, se quiserem ouvir a música “Rastros na areia” (Duduca e Dalvan, site do youtube).
Vejam, também, o poema: “Rastros na areia”. Esse poema é um dos mais belos e verdadeiros sobre o Senhor de nossas vidas, que nos segura ao colo, nos ampara, segura em nossas mãos e nos leva pelo caminho.
Uma noite eu tive um sonho…
Sonhei que estava andando na praia com o Senhor e no céu passavam cenas de minha vida.
Para cada cena que passava, percebi que eram deixados dois pares de pegadas na areia: um era meu e o outro do Senhor.
Quando a última cena da minha vida passou diante de nós, olhei para trás, para as pegadas na areia, e notei que, muitas vezes, no caminho da minha vida, havia apenas um par de pegadas na areia.
Notei também que isso aconteceu nos momentos mais difíceis e angustiantes da minha vida.
Isso aborreceu-me deveras e perguntei então ao meu Senhor:
– Senhor, tu não me disseste que, tendo eu resolvido te seguir, tu andarias sempre comigo, em todo o caminho?
Contudo, notei que, durante as maiores tribulações do meu viver, havia apenas um par de pegadas na areia.
Não compreendo por que, nas horas em que eu mais necessitava de ti, tu me deixaste sozinho.
O Senhor me respondeu:
– Meu querido filho. Jamais te deixaria nas horas de prova e de sofrimento. Quando viste, na areia, apenas um par de pegadas, eram as minhas.
Foi exatamente aí que te carreguei nos braços.
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Pe. Leomar Antonio Montagna
Presbítero da Arquidiocese de Maringá – PR