“Ora direis, ver estrelas”

Crônica do jornalista e escritor Edilson Pereira sobre o ufólogo Ademar José Gevaerd

"Ora direis, ver estrelas"

Ufólogo Ademar José Gevaerd

Um amigo dos velhos tempos, Ademar José Gevaerd, teve morte inesperada no último dia 9, depois de acidente doméstico em sua casa em Curitiba. Foi levado para a UTI do Hospital Pilar e não resistiu. Era um cara legal durante o tempo em que convivi com ele, até final dos anos 80. Tenho boas e divertidas recordações dele. Gevaerd morreu aos 60 anos. Era especialista em ufologia, assunto pelo qual se interessou aos treze anos, em Maringá, onde nasceu e onde nos conhecemos. Filho do professor Ademar Gevaerd, do Gastão Vidigal. Pisciano como eu, dez anos mais novo. Na escola fui colega de seu irmão mais velho.

Nos anos 70, fomos amigos porque alguns jovens próximos se interessaram por ufologia. Entre eles Gevaerd. Que era moço tranquilo e inteligente. Outros passavam a noite no ponto alto da cidade, das torres de televisão, com lanternas iluminando o céu estrelado com “mensagens” na esperança de receber sinais dos Discos Voadores e de Extraterrestres. Nunca tiveram respostas. Pelo esforço desta gente, cheguei à conclusão de que os Ets (se existirem) são ingratos. Esta gente se desinteressou pelo assunto. Menos Gevaerd.

Quando voltei de São Paulo e fui trabalhar na Folha de Maringá, ele estava mais envolvido. Não era mero interessado. Era especialista em ascensão. Ele quis dar entrevista para o jornal. O radialista Renato Taylor Negrinho, que trabalhava conosco e atendeu o telefone no térreo, subiu ao primeiro andar e me informou, sem saber que eu conhecia o Gevaerd, que vinha um maluco falar sobre discos voadores. E ficou olhando na janela. Quando Gevard apontou a uns cem metros na calçada, Negrinho disse impressionado: “Lá vem ele.” Gevaerd andava rápido, ereto, cabeça erguida. Mas sempre andou assim.

O andar dele impressionou Renato Negrinho: “Até o jeito de andar é de louco!” Fiz a matéria e tudo bem. Em 1980, levar ufologia a sério era coisa de louco. O que não era tão ruim. Em 1970, depois de ler “Eram os deuses astrounautas”, do suiço Erich Von Däniken, fiquei impressionado e como provocação defendi na aula de português no Colégio Gastão Vidigal a tese dele de que a vida no planeta não foi obra direta de Deus, mas de extraterrestres. Deus poderia ter criado os extraterrestres e eles criado a gente, como a gente cria cachorro e galinha. Por que não? Vai saber.

A professora Marli ficou chocada com a heresia. E sem argumentos. Era carola de mão cheia. Ela deixou a sala e foi falar com o diretor Basílio Bacarin. Disse que eu era comunista infiltrado na sala. Bacarin apoiou estudantes em 1968 e em 1970 se pelava da ditadura. Ele quis saber como virei comunista. Dona Marli explicou: “Ele é ateu. Disse que Deus não criou o mundo. Todo ateu é comunista”. Era um raciocínio estranho, mas não deixava de ser um argumento. Bacarin me chamou e pediu apavorado: “Pare de ser ateu. Pare de ser comunista. Antes que a Polícia Federal apareça aqui!”.

Para matar o assunto, disse: “Tudo bem!”. Portanto não achei estranha a reação de Renato Negrinho. Perto de Dona Marli era quirela. Na universidade, Gevaerd cursava Química e era nosso amigo. Embora não acreditasse, a gente respeitava os Ets e os discos voadores. Até pelo fato de nunca aparecerem pra gente. Nem pra ele. Mas tinha outros que achavam que ele era maluco. Um deles debochava. Não largava do pé do Gevaerd, que foi segurando a barra. O cara era forte, baixo e gordo. Gevaerd era forte, alto e magro.

Um belo dia, de saco cheio de chacotas, chamou o sujeito pra briga. O cara pensou que Gevaerd fosse otário por causa do papo de ETs e topou. Misericórdia. Deu pena do sujeito. Levou a maior camaçada de pau que a universidade viu nos anos 80 no estacionamento perto da cantina. Ninguém teve coragem de se meter. Como o adversário era chato, muitos vibravam a cada porrada, o que deixou o outro humilhado e ofendido.

E, assim, Gevaerd foi o primeiro e único ufologista que conheci a fazer um incrédulo ver estrelas em plena luz do dia. A história correu a cidade. Ninguém mais encheu o saco dele por causa da ufologia. Em 1984, me mudei para Londrina. Gevaerd foi para Campo Grande. Não vi mais. Ele fundou uma revista, a mais antiga do mundo em ufologia e se dedicou ao assunto em tempo integral. Esteve no Discovery Channel, National Geographic Channel e no History Channel. Fez conferências em mais de 50 países, na condição de respeitado entre os ufólogos do mundo. Moramos em Curitiba. Às vezes pensava em fazer uma visita para ele. Mas ficou sempre nos planos.
Eu comentei a morte dele com minha ex-mulher. Ela ficou chocada: “Que morte estúpida. Estudamos no Gastão. Minhas amigas eram apaixonadas por ele. Era um rapaz bonito. Mas doidinho”. Em 2020, estava na casa de minha ex-mulher na pandemia e li versões de que o vírus era arma dos ETs para dominar a Terra. Os caras estavam de tocaia em Plutão. Como se tratava de teoria doida e queria escrever um conto, me lembrei do Gevard para criar um personagem sério, até onde um ufologista pode ser sério: Germano Kindred.