Jul não saiu de Kiev durante a investida da Rússia ao seu país, desde que Putin lançou a invasão em larga escala há mais de um ano. Juntamente com a parceira Olha, candidataram-se ao casamento online, através do sítio na Internet do governo “Diia” (“ação”). Como não são casadas não estão protegidas pela lei. E a atual situação, “infelizmente, agora, posso morrer a qualquer momento na Ucrânia”, como dizia à euronews, complica-se tudo.
Candidataram-se, a candidatura foi submetida e analisada, “durante um dia, um dia útil”, referia. Depois receberam uma “nota de rejeição porque, infelizmente, a posição da Constituição da Ucrânia é de que o casamento é uma união voluntária entre a mulher e o homem”, explicava, e foi por isso que a “candidatura foi rejeitada”.
O casal sabia que isso iria acontecer mas, como muitos outros casais LGBT+ que também se candidataram, fizeram-no como um gesto simbólico. Uma oportunidade para mostrar ao “governo que esta questão”, esta “parceria cívica ou casamento do mesmo sexo, ainda é muito importante para a Ucrânia, especialmente durante este ano, durante a guerra em grande escala”, esclarecia Jul.
O que acontece se um(a) dos(as) dois(uas) morrer?
A Ucrânia tem aumentado o apoio aos direitos das pessoas LGBT+ desde que os líderes, ocidentalizados, chegaram ao poder em 2014. A discriminação no local de trabalho foi banida, mas o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou as parcerias civis não foram legalizados.
Inna Sovsun, deputada no parlamento ucraniano, acredita que o governo tem vindo a “arrastar os pés há muitos anos”, em relação a esta questão. Esta semana, apresentou no parlamento um projeto de lei para legalizar as relações entre pessoas do mesmo sexo.
A deputada argumenta que a falta de igualdade de oportunidades equivale só a discriminação, mas o facto adicional de a Ucrânia estar em guerra com a Rússia coloca em evidência a vulnerabilidade dos casais LGBT+, para os quais as consequências podem ser graves.
“Temos mais de 700.000 pessoas que estão a servir no exército ucraniano. Algumas delas são pessoas LGBT. Essas pessoas LGBT, têm parceiros, mas não podem de forma alguma oficializar as suas relações”, referia Inna Sovsun à Euronews.
“Portanto, caso aconteça alguma coisa ao militar na frente de batalha, o seu parceiro não poderá tomar quaisquer decisões médicas. Ou se o pior acontecer, uma morte, se a pessoa for morta, o parceiro não terá a possibilidade legal de tomar decisões sobre o enterro e tudo o resto. Daí, a urgência em resolver esta situação”.
O risco está longe de ser teórico. Olena Shevchenko, do grupo de direitos humanos Ukraine Insight, contou-nos que existem “histórias reais, que se vêem quase todos os dias”, no campo de batalha.
“Alguém morreu na linha da frente, e o parceiro não pode sequer reconhecer o corpo por ser considerado “um zé-ninguém”…” Outra pessoa faleceu nas mesmas condições, explicava, “uma mulher que tinha família, um filho. O que acontecerá a seguir se a sua parceira não for a mãe biológica desta criança? O que acontecerá a todas essas pessoas ou, principalmente, àquelas que têm famílias com filhos?”, questionava a referida ativista para quem “há uma frustração muito profunda, especialmente para aqueles que, de entre nós, deram tanto durante esta guerra, que estão a fazer muitas coisas insuportáveis”. Olena acrescentava que os casais estão a enfrentar uma luta interna com as autoridades ucranianas, que vai para além da guerra com a Rússia. E têm de temos de “lutar, de ambos os lados, dentro e fora. Não creio que seja correto”, desabafava.
Aumentar o apoio aos direitos LGBT+
As sondagens sugerem que os ucranianos tornaram-se muito mais tolerantes à homossexualidade nos últimos anos. Uma delas indicava, recentemente, que a maioria já não se opunha ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em agosto de 2022, uma petição online para a legalizar recolheu mais de 28.500 assinaturas.
O Presidente Zelenskyy, assinalando que o governo analisou a legalização de relações entre pessoas do mesmo sexo, respondeu pedindo ao primeiro-ministro que aprofundasse a análise da questão, mas acrescentava que, durante a guerra, não é possível fazer alterações à Constituição, que define o casamento como sendo entre um homem e uma mulher.
No entanto, a guerra reforçou o ímpeto entre os defensores dos direitos LGBT+ a favor de uma mudança urgente. Inna Sovsun argumenta que o contraste entre a Ucrânia e a Rússia acrescenta outra dimensão à luta pela igualdade de direitos no seu país.
“Estamos numa guerra com um país altamente homofóbico. A homofobia, hoje em dia, faz basicamente parte da ideologia oficial russa, e penso que, na sociedade, as pessoas também começam a aperceber-se que somos diferentes da Rússia. A Rússia é extremamente homofóbica. Queremos ser diferentes deles”.
Inna Sovsun – Deputada ucraniana
Para Inna Sovsun a postura russa “contribui” para a “compreensão do problema”, globalmente. O que, referia. “cria condições para que a legislação”, que popôs, “seja apoiada”. euronews