Deus se manifesta de muitas maneiras, não nos pede licença para falar e se comunicar de formas diferentes da maneira que falamos, rezamos, compreendemos e vivemos.
FÉ é crer em Deus
Para falar da fé não podemos basear-nos só na Bíblia, porque esta teria valor somente para nós, os cristãos, e não para os demais. Mas sabemos que Deus escreveu dois ‘livros’: um é a Bíblia, o outro é a vida (natureza). Um está formado por letras e palavras, o outro por coisas. Nem todos conhecem, ou podem ler, o livro da Escritura, mas todos, podem ler o livro da vida. O apóstolo Paulo nos diz: “Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus se tornaram visíveis à inteligência, por suas obras” (Rm 1, 20). Quem não souber ler o livro da vida nunca entenderá o livro da Bíblia. A Bíblia é o reflexo de uma vivência do povo com seu Deus, de Deus com seu povo. Deus está na história do povo, e, por isto, está na Bíblia. A Bíblia não veio ocupar o lugar da vida. A Bíblia foi escrita para nos ajudar a entender melhor o sentido da vida que vivemos e a perceber mais claramente a presença da palavra de Deus dentro de nossa realidade. Quem lê e estuda a Bíblia, mas não olha a realidade do povo fragilizado de ontem e de hoje, nem luta pela justiça e pela fraternidade, é infiel à palavra de Deus e não imita Jesus, é semelhante aos fariseus que conheciam a Bíblia de cor, mas não a praticavam.
Diante da pandemia do tal de coronavírus, nós cristãos, podemos nos perguntar: que lição podemos tirar para nossa vida individual e coletiva? Pensamos na brevidade da vida relativizando as coisas temporais? Será que enquanto humanidade estamos vivendo e reproduzindo uma sociedade de acordo com o Projeto do Reino que Jesus anunciou?
Vejamos alguns dos últimos acontecimentos: bastou o Papa Francisco ter um mal-estar e milhares de comentários maldosos se proliferaram nas redes sociais e pelos jornais: “Que morra! Comunista! Esquerdopata! Falso Papa!” E tantas outras coisas horríveis que é bom nem mencionar. Recentemente, também, muitas instituições, entre elas a CNBB, foram desrespeitadas e muitas pessoas foram “linchadas” por determinados segmentos que repetiam as mesmas acusações que fizeram ao Papa Francisco.
Se estudarmos a Bíblia vemos que Deus tem um sonho de “Terra Prometida” para toda humanidade: “Vou criar um novo céu e uma nova terra, ali não haverá mais choro e clamor; não haverá morte prematura; construirão casas e nela habitarão; plantarão e comerão seus frutos; ninguém gerará filhos para viverem na humilhação; haverá harmonia entre o homem e a natureza” (Cf. Isaías: 65, 17-25).
A Bíblia nos narra, Livro do Êxodo, que no Egito antigo a maior parcela da sociedade vivia na escravidão, isto é, sem os direitos básicos garantidos, com o passar do tempo a humilhação e os sofrimentos foram tantos que chegou aos ouvidos de Deus: “O Senhor disse: Eu vi, eu vi a aflição de meu povo que está no Egito, e ouvi os seus clamores por causa de seus opressores. Sim, eu conheço seus sofrimentos. E desci para livrá-lo da mão dos egípcios e para fazê-lo subir do Egito para uma terra fértil e espaçosa, uma terra que mana leite e mel” (EX 3, 7-8).
Nesse processo de libertação, Deus usou de lideranças, para juntos com o povo, peregrinarem à Terra Prometida, mas, no caminho encontraram obstáculos, então frente as dificuldades esse mesmo povo murmurou contra um dos maiores líderes, Moisés: “Quase que me apedrejaram” (EX 17, 4). O povo ficou tentado a voltar ao antigo regime de escravidão: “Moisés, pôs-se a chorar, pois era um povo de cabeça dura e coração insensível” (EX 33, 4). Pressionado pelos seus, Moisés e outras lideranças, também haviam sofrido perseguições e resistência da elite no poder, mas Deus fora o grande aliado para que pudessem sair da opressão do Egito. Deus jamais desiste do sonho da Terra Prometida, então não podendo falar ao coração endurecido daquelas pessoas, manifestou o seu poder por meio de sinais, entre tantos prodígios, alguns foram interpretados como “as pragas do Egito”, pois, já que não quiseram aceitar o Projeto de Libertação pelo amor tiveram que amargar consequências trágicas pela dor. E assim nos foi contada a passagem para a Terra Prometida.
Se hoje temos que observar os sinais dos tempos para interpretar o que Deus quer nos falar, já que ele nos fala, também pelo fatos da vida, a pergunta que nos vem diante desse coronavírus que já atinge boa parte da humanidade sendo que ninguém estará imune, e perante tantas maldades, agressões, mentiras e linchamentos nas redes sociais, frente ao nosso líder Papa Francisco, frente aos bispos da CNBB e outras lideranças cristãs que falam de justiça, partilha, dignidade humana, amparo aos mais fragilizados, isto é, aos que batalham por uma “Terra Prometida”, se são assim tão odiados, será que essa mentalidade condiz com o Projeto de Reino de Deus anunciado por Jesus? Será que Deus terá espaço para falar ao coração endurecido de tantas pessoas que agem assim?
Hoje, nossas autoridades eclesiásticas estão sendo desacreditadas por essas pessoas que, se dizem cristãs, e as acusam de comunistas, esquerdopatas e tantos outros adjetivos infundadamente, e ao mesmo tempo assumem comportamentos que estão anos-luz do que ensina o Evangelho, por exemplo, fazendo “arminhas” dentro dos templos, apoiando projetos de violência contra as mulheres, projetos de tortura e outros que levam a morte de indígenas, negros, pobres e os mais fragilizados, que a cada dia perdem seus direitos e são condenados a viver na humilhação. Deveríamos refletir e pensar, será que apesar da tragédia que é o coronavírus, não seria isto a oportunidade que Deus está nos dando para superar os nossos rancores pessoais e de bolhas, superar o ódio em nosso coração, em nome do bem de todos? “Não tenho prazer na morte do ímpio, mas que o ímpio se converta do seu caminho e viva” (Ez 33,11). É hora de deixar de lado as diferenças e nos unir no bem maior, que é a vida humana. Talvez tem males que, realmente, vem para o bem.
Se o coronavírus fizer refletir sobre esses pontos, penso que já terá seu efeito curativo, nos fará pensar individualmente e como família humana, a viver mais solidários e respeitar nossos semelhantes, assim poderemos concretizar o sonho de Deus de construir “Um mundo sem senhor e sem escravos, um mundo de irmãos”.
Que Deus Pai Todo-Poderoso, tenha misericórdia de nós e do mundo inteiro e venha urgentemente em nosso socorro! Amém.