PADRE LEOMAR MONTAGNA: Terceiro mandamento guardar e santificai o dia do senhor

Na Liturgia deste Domingo, IX do Tempo Comum, veremos, na 1ª Leitura (Dt 5,12-15), que o autor bíblico foca que o sábado é instituído para evitar que se imite a escravidão do Egito. Mas o texto está focando diretamente o terceiro mandamento da lei do Senhor (Êxodo 20,8-11) que tem motivação social e impulsiona para uma relação social igualitária: proibição de explorar o trabalho do irmão, tornando-o escravo. Todo homem tem direito ao dia de descanso para se refazer e tomar consciência de sua vida: o direito de ser livre e gozar o resultado do seu trabalho, antecipando a plena realização que Deus reserva a todos os homens. Além disso, este mandamento faz reconhecer que as pessoas dependem do Criador e que o trabalho humano é relativo. 

Nós, cristãos, celebramos o domingo porque foi num domingo que Jesus venceu a morte – sinal de não-salvação e de pecado. 

Na 2ª Leitura (2Cor 4,6-11), o apóstolo Paulo acentua os grandes contrastes entre a missão e os instrumentos escolhidos por Deus para realizá-la. Na fraqueza, na tribulação, na perseguição e no martírio, o cristão anuncia o mistério de morte do Cristo e, ao mesmo tempo, anuncia em seu ser, co-sofredor com Cristo, que a força de Deus e a vida de Cristo operam nele. A cruz de Cristo manifesta seu mistério de loucura e sabedoria não só numa rememoração histórica, mas na vida do cristão. 

No Evangelho (Mc 2,23-3,6), vemos que, para os fariseus, os discípulos de Jesus cometeram duas infrações: apropriaram-se do que não lhes pertencia, e fizeram isso em dia de sábado. Jesus recorre às Escrituras e a um entendimento do sentido do sábado para mostrar que, diante da fome, tudo se torna secundário. A vida humana está acima de qualquer lei ou estrutura. Jesus reage com indignação e tristeza diante dos que resistem ao seu ensinamento e a sua prática, então mostra até onde vai sua exigência de que a lei do sábado esteja a serviço da vida. Mais ainda: ao trazer o doente para o centro e curá-lo, indica mais uma vez sua opção pelos desprezados, e a reviravolta que produz diante dos esquemas mentais e sociais que diziam como a religião e demais instituições deveriam agir. Diante disso, os grupos dominantes precisam destruir essa novidade que os ameaça em seu poder e decretam uma sentença de morte; até os partidos que eram inimigos entre si reúnem-se para planejar a morte desse profeta: afinal, ele está destruindo a ideia de religião e sociedade que eles tinham. 

Hoje, nós cristãos celebramos o Dia do Senhor num domingo, porque foi num domingo que Cristo venceu todas as forças do mal e ressuscitou, então faço algumas considerações (a partir de um texto de Dom Murilo S. R. Krieger, quando Arcebispo de Florianópolis), principalmente em vista do trabalho aos domingos. Vejam: 

A Ressurreição de Jesus aconteceu no primeiro dia da semana, quando ele apareceu glorioso a seus discípulos e discípulas (Mt 28,1.9; Mc 16,9.14; Lc 24,1.13; Jo 20,1.11-17.19; 21,26). Por isso, os apóstolos e as primeiras comunidades cristãs passaram a chamar esse dia de “domingo”, “Dies Domini“, dia do Senhor, e os primeiros cristãos passaram a reunir-se sempre no primeiro dia da semana, “o dia do senhor” (Ap 1,10), para celebrarem a presença do Ressuscitado em meio à comunidade e para partilharem seus bens entre os necessitados (1Cor 16,2). 

Os primeiros cristãos mudaram, assim, o sagrado costume judaico de santificar o dia de sábado. A informação bíblica de que Deus descansou no sétimo dia, abençoando-o e santificando-o (Gn 2,2-3), mostra a clara intenção de marcar o shabbat como dia consagrado ao repouso e ao culto religioso. Oprimidos como escravos, primeiramente no Egito (1200 a.C.) e, depois, no exílio, sob o domínio da Babilônia (586-538 a.C.), os israelitas aprenderam de Javé que há uma relação intrínseca entre fé e vida (Ex 20,8-9). Crer em Javé é sinal de vida e de liberdade. O sábado tornou-se, então, sinal máximo dessa relação: a fé no único senhor e libertador é garantia da preservação da vida pessoal e comunitária. O desrespeito ao sábado, ao contrário, era sinal de idolatria, de ganância, de exclusão dos pequenos, de opressão do povo trabalhador. Guardar o sábado era crer em Deus e garantir a vida. Não guardar o sábado levava à descrença e à morte do povo. 

A santificação do sétimo dia para o povo judeu, prescrita no Antigo Testamento, passou, por disposição dos Apóstolos, a ser praticada no primeiro dia da semana, o domingo, dia santificadodos cristãos. Ao longo de vinte séculos de história, a Igreja Católica, juntamente com as outras igrejas cristãs, sempre reconheceu o particular sentido sagrado desse dia, vendo nele a Páscoa da semana, que torna presente a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte. Domingo é dia do Senhor, que nos quer todos reunidos para participar da Eucaristia, ouvir sua Palavra e celebrar a ação de graças. É o dia em que as famílias e as comunidades se encontram, para reforçarem os laços de comunhão e amizade. É o dia de cada ser humano se revigorar em suas forças físicas e espirituais. É dia de descanso, um direito que é expressão de justiça social, que possibilita a convivência com a família e com a comunidade. É dia de nos prepararmos para nos colocar diante do último dia, aquele que nunca se acaba. O domingo é, enfim, o dia da vida, da festa, da alegria. Domingo não é um feriado, mas um dia santificado. No feriado, cada um faz o que quer. No domingo, deve-se fazer o que Deus quer. Esse é o sentido do terceiro mandamento: guardar e santificar o dia do Senhor. 

Atualmente, mesmo em países de tradição cristã, práticas ditadas por condições socioeconômicas tendem a dar a esse dia apenas um caráter de “fim de semana”, levando as pessoas a se fecharem em si mesmas, dificultando a?abertura para o Absoluto, requisito essencial de respeito ao ser humano, criatura de Deus. O domingo tem-se tornado, atédia de violência, de mortes no trânsito, dia de pecado contra a saúde e a sexualidade, contra a família e a vida. A santificação do domingo, proposta pelos cristãos, revela um cuidado especial com o dom da vida. 

Certos segmentos da comunidade querem transformar o domingo em um dia a mais, melhor que os outros, para se fazer dinheiro. O cristão deve manifestar sua posição contrária ao propósito dos que pressionam para que se permita o funcionamento de estabelecimentos comerciais no domingo. Essa medida representa prejuízo para o justo descanso e para o cumprimento das obrigações religiosas dos funcionários desses estabelecimentos, elo mais fraco da cadeia produtiva. 

Essa iniciativa poderia produzir algumas vantagens financeiras, importantes em tempo de dificuldades econômicas como as que o país atravessa. As desvantagens, entretanto, são maiores, na medida em que atropelam os fundamentais direitos do trabalhador ao repouso, à convivência com a família e à prática religiosa. Não procede a comparação com a prestação de serviços essenciais, a que não se enquadram, certamente, as lojas comerciais. Não procede, nem mesmo, a justificativa de que é garantido o dia semanal de descanso do funcionário, pois, estando seus familiares e as outras pessoas de suas relações, nesse dia, trabalhando ou estudando, ele não poderá encontrar-se com seu cônjuge, filhos, familiares e amigos, e nem participar do culto dominical e desfrutar do lazer e das visitas de parentes, as quais normalmente ocorrem aos domingos. Concretizada a pretensão de se banalizar o domingo, que é de Deus, da família, da comunidade e do trabalhador, esse dia será usado em favor do lucro e do dinheiro. Troca-se o Deus da vida pelo deus do mercado, em flagrante dissonância com o Evangelho de Jesus, que alertou: Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). 

Compreende-se que, em uma área com vocação socioeconômica marcada pelo turismo, pela importância do lazer e da prestação de serviços, a observância do dia do Senhor torna-se complexa. Todavia, havendo real necessidade de trabalho nesse dia da semana, que ele seja feito por sistemas de turnos e plantões,?ficando o dia do Senhor assegurado aos fiéis, não recaindo o peso do trabalho aos domingos sempre sobre as mesmas pessoas. Isso decorre, como foi exposto acima, de nossa consciência bíblica sobre a justiça social. 

Para estar à altura da dignidade humana, não pode a sociedade organizar-se apenas em função do lucro, como único valor a ser preservado. Se pretendemos construir uma sociedade justa e fraterna, não será entregando-nos à lógica do mercado que o conseguiremos. Além da dimensão econômica, há outros valores humanos, até mais fundamentais, a serem promovidos, tais como o convívio familiar, o culto religioso, o contato com a natureza, o louvor ao Criador. 

Diante do exposto acima, vai aqui algumas sugestões

– aos governantes de nossos municípios, que façam observar o descanso semanal em dia de domingo; 

– aos vereadores, que não aprovem projetos de lei que facilitem a abertura do comércio aos domingos; 

– aos donos de casas comerciais, que não abram suas lojas aos domingos; 

– aos fiéis católicos, que não usem o domingo para fazer compras em shoppings centers, supermercados e lojas comerciais; 

– a todos os cidadãos e cidadãs, que acreditem na força libertadora da fé no Deus da vida e cuidem para não se deixarem vender ao deus do mercado. 

Para maiores esclarecimentos sobre o tema, recomendamos a leitura da carta apostólica “Dies Domini (O Dia do Senhor), sobre a santificação do Domingo, do Papa São João Paulo II publicada em 31/05/1998). 

Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus. 

Pe. Leomar Antonio Montagna 

Presbítero da Arquidiocese de Maringá – PR 

Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças, Sarandi – PR 

ARQUIDIOCESE MARINGÁ