No Setembro Amarelo, mês da promoção do apoio emocional e da prevenção ao suicídio, os pais e cuidadores devem se questionar: Seu filho tem mudanças de humor intensas? Já reparou se ele fica mais irritado ou animado do que o normal? Você nota se ele tem altos e baixos frequentes? Algumas crianças e adolescentes com esses sinais podem ter transtorno bipolar.
A bipolaridade é um transtorno mental que afeta principalmente o estado de humor, o que faz com que quem sofre com isso possa ter altos e baixos de ânimo, alterações muito exageradas no nível de atividade ou atitude em curtos períodos. Esse transtorno pode se manifestar na infância e juventude, porém se detectado precocemente pode ser controlado desde o início.
Na fase mais aguda, tanto adolescentes quanto adultos com bipolaridade podem pensar e falar sobre cometer suicídio, então é necessário conhecer mais a respeito. Para facilitar a suspeita ou reconhecimento da bipolaridade em jovens e contribuir para que os responsáveis possam tomar as medidas adequadas com antecedência, o pediatra e psiquiatra da infância e adolescência do Ambulatório de Adolescentes do Instituto Nacional de Saúde da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Orli Carvalho, foi consultado.
IFF/Fiocruz: O que é o transtorno bipolar?
Orli Carvalho: Apesar do maior destaque recebido nas últimas décadas, o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) é conhecido há longa data, acomete de 1 a 3% da população global, sendo caracterizado por promover uma instabilidade e oscilação de humor e de comportamento, de forma prejudicial e não adaptativa ao paciente e aos seus pares. A caracterização desse prejuízo é importante para o diagnóstico, num reconhecimento que alterações de humor contextualizadas e harmônicas fazem parte do cotidiano da vida das pessoas, em diferentes idades. No TAB essas oscilações são disfuncionais, marcadas em fases e acompanhadas de sintomas e manifestações clínicas que trazem sofrimento psíquico e/ou consequências desagradáveis.
IFF/Fiocruz: Quem pode desenvolver transtorno bipolar?
Orli Carvalho: Não há uma causa específica para o Transtorno Bipolar, com envolvimento de fatores genéticos (hereditariedade e familiares afetados), biológicos e psicossociais (eventos adversos e traumáticos ao longo da vida, relações sociais nos diferentes ambientes e contextos). Podemos pensar que algumas pessoas carregam vulnerabilidades para o transtorno – a história familiar positiva nos dá uma grande pista para isso -; ainda assim, isso não define, pelo que entendemos hoje, quem pode desenvolver a doença.
IFF/Fiocruz: Quais os sinais e sintomas da bipolaridade na adolescência?
Orli Carvalho: É fundamental o profissional reconhecer as características esperadas na adolescência, assim como conversar com a família sobre o funcionamento do adolescente em casa, na escola e com seus pares. Por vezes, algumas queixas comportamentais são falsamente identificadas como sintomas de um transtorno.
São reconhecidas no Transtorno Bipolar oscilações significativas de humor, com episódios depressivos alternando com episódios de euforia ou irritabilidade (chamados de mania – se mais intensos -, ou hipomania). Episódios bem caracterizados, de intensidade relevante e de forma claramente disfuncional, segundo a fase da adolescência, as experiências de vida e os valores familiares e culturais. Episódios pouco explicados pelo contexto e até mesmo pelos adolescentes, e que interferem em sua estabilidade afetiva.
Na fase maníaca ou eufórica temos: agitação, irritação ou euforia; agressividade e hostilidade; pensamento, fala e movimentação acelerados; impulsividade e redução na capacidade de planejamento e avaliação de risco; sensação de grandiosidade e autoestima elevada; sensação de muita energia e pouca necessidade de dormir. Na adolescência, a irritabilidade pode ser mais comum do que a euforia.
Na fase depressiva temos: tristeza profunda e desesperança; desânimo; cansaço e alentecimento; perda de interesse e de prazer; perda de motivação; ideias sobre morte e suicídio.
De uma maneira bem simplificada, temos alguns subtipos de TAB: tipo I (mania e depressão mais graves e intensas); tipo II (depressão maior e hipomania); ciclotimia (hipomania e depressão menos intensas); por vezes, essas manifestações ocorrem por outras condições médicas ou por uso de substâncias/medicamentos, recebendo classificações específicas.
IFF/Fiocruz: Como o transtorno bipolar em adolescentes é diagnosticado?
Orli Carvalho: Existiam dúvidas no passado sobre a ocorrência do transtorno bipolar na infância e na adolescência; hoje, respeitando as caraterísticas das diferentes fases do desenvolvimento infantojuvenil, reconhecemos que os critérios diagnósticos são semelhantes ao longo do ciclo vital.
O diagnóstico é clínico, feito a partir da história do paciente e de seus sinais e sintomas referidos e observados nas avaliações nas consultas; no momento, não há exames que diagnostiquem o TAB, ainda que alguns instrumentos possam ser um auxílio à entrevista clínica, sendo mais utilizados em pesquisas.
Desse modo, o diagnóstico virá a partir do reconhecimento das oscilações significativas de humor, com episódios depressivos alternando com episódios de euforia ou irritabilidade; episódios bem caracterizados, de intensidade relevante e de forma claramente disfuncional, segundo a fase da adolescência, as experiências de vida e os valores familiares e culturais.
Geralmente, pelas dificuldades de acesso e pelas variações clínicas apresentadas, esse diagnóstico tende a demorar cerca de 10 anos para ser realizado, retardando as diversas intervenções possíveis e prejudicando o prognóstico. A importância de se pensar o TAB na adolescência é que sabemos hoje que 10 a 20% dos casos de TAB nos adultos se iniciou antes da adolescência e que 60% dos casos se iniciam até os 20 anos de idade.
IFF/Fiocruz: Como o transtorno bipolar em adolescentes é tratado?
Orli Carvalho: O tratamento é realizado a partir do diagnóstico e varia conforme a gravidade e o momento da doença (crise, manutenção ou prevenção de recaídas); podendo variar também em fase de mania ou depressão. De forma didática, três grandes grupos de abordagens constituem o tratamento: suporte familiar e psicossocial; psicoterapia (individual, em grupo ou familiar); farmacológica (estabilizadores de humor, antipsicóticos e antidepressivos – em monoterapia ou em associação).
Além desses três pilares, é muito importante que todos os profissionais envolvidos trabalhem com psicoeducação, orientando o adolescente a compreender o seu transtorno, os seus primeiros sinais de recaída da estabilidade afetiva, trabalhando a adesão ao tratamento e estimulando a prática de atividades físicas, hábitos saudáveis, engajamento escolar e participação social.
Sendo comum a ocorrência de comorbidades do TAB na adolescência, o tratamento precisa considerar a presença de outros transtornos, assim como enfatizar o risco do uso abusivo de álcool e outras drogas.
IFF/Fiocruz: Como influencia o tratamento da bipolaridade nos adolescentes? Tem cura?
Orli Carvalho: O TAB é considerado um quadro crônico e hoje não se considera a ideia de cura, mas de estabilidade nos sintomas de humor (eutimia). Entendemos que o tratamento, em suas diferentes modalidades, melhora a qualidade de vida, reduz as chances de internação e os riscos de suicídio, proporcionando que o adolescente siga de forma saudável na sua experiência de vida.
Sabemos que a adesão é um ponto difícil em quadros crônicos, de forma que recaídas nos sintomas de mania e depressão são comuns; ainda assim, não devem ser entendidos como uma falta de possibilidade ou desistência.
Ao mesmo tempo, não se define de antemão o tempo que uma intervenção será necessária; as possibilidades e as respostas de cada adolescente ao tratamento vão guiando como a equipe pensará com ele o melhor tratamento possível. Grupos de apoio e de pacientes com o transtorno têm trazido boas experiências, desmistificando o TAB, difundindo conhecimento e reduzindo preconceitos.
IFF/Fiocruz: Como os pais e familiares de um adolescente bipolar podem fazer para ajudá-lo quando ele está em crise?
Orli Carvalho: O planejamento de um tratamento envolve orientações sobre como agir em caso de crise, sendo algo individualizado para cada caso, inclusive definindo claramente o que é uma crise. Pode envolver o uso de medicações SOS (as prescritas para uso exclusivo quando necessário, geralmente para combater sintomas específicos), ajuste de dose de medicação regular, intervenções psicossociais ou ainda idas à emergência e internações. Além disso, no decorrer do tratamento, o adolescente e sua família vão aprendendo a identificar e manejar os gatilhos e os primeiros sinais de descompensação, algo muito importante diante de um quadro crônico, o que permite ajustes no tratamento antes que se estabeleçam situações de crise ou emergências. Os serviços de saúde que prestam assistência emergencial psiquiátrica e que podem ser acionados devem ser do conhecimento da família: algo também que precisa ser discutido ao longo do tratamento do adolescente.
IFF/Fiocruz: Onde os adolescentes bipolares podem obter ajuda?
Orli Carvalho: Não há, de forma geral, locais específicos para abordagem do transtorno bipolar; mas sim, unidades e centros de saúde de abordagem em saúde mental. Assim, os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis (CAPSi), os ambulatórios de psiquiatria e os ambulatórios de psicologia devem ser os locais onde se deve buscar ajuda. Entendemos que os profissionais de saúde mental infantojuvenil podem fazer essa abordagem e prosseguir com os encaminhamentos, se necessário. Nossa indicação é que sejam buscados inicialmente os CAPSi ou as Unidades Básicas de Saúde da região do domicílio do adolescente.
IFF/Fiocruz: Como prevenir o suicídio em adolescentes com bipolaridade?
Orli Carvalho: Como ocorre em outros transtornos mentais, o suicídio deve ser uma preocupação quando estamos diante de casos de maior gravidade ou naqueles nos quais as modalidades de tratamento não se estabelecem. Assim, como o transtorno depressivo, o transtorno bipolar apresenta características que sinalizam a necessidade de atenção para com pensamentos sobre a própria morte. Em contrapartida, a literatura é clara sobre a drástica redução do risco de suicídio quando o adolescente com transtorno bipolar está em acompanhamento regular e possui boa rede de apoio.FIOCRUZ