A Festa da Exaltação da Santa Cruz é uma tradição cristã de origem oriental, celebrada pelos mesmos, comparável à da Páscoa. Foi celebrada pela primeira vez em 335, por ocasião da dedicação de duas basílicas construídas em Jerusalém por Constantino: uma no Gólgata e outra no Sepulcro. A partir do século VII, a festa se estendeu também ao Ocidente.
A cruz, antes de ser um sinal de sofrimento e de morte, é sinal de salvação. A celebração de hoje nos ensina a olhá-la como manifestação do amor de Deus. Por ser amor e ternura radical, Deus, assim como uma mãe ou um pai, não gosta de ver seus filhos sofrendo. Deus não pode ser visto como mandante do assassinato do próprio Filho. Jesus morreu em consequência de sua fidelidade ao Pai. Foi vítima das autoridades da época que o consideravam perigoso. De fato, a cruz era o suplício dos escravos e dos subversivos. Por amor e fidelidade a Deus, Ele enfrentou grandes desafios: traição de Judas, negação de Pedro, a dor e a humilhação infligida a ele por aqueles a quem fora enviado: seu povo. Foi açoitado, esbofeteado, teve a barba arrancada, foi insultado e cuspido. Na condenação de Jesus, manifesta-se o orgulho de todo ser humano e sua rebelião contra o projeto de amor e fraternidade do Pai.
A cruz está presente nas igrejas e em muitos outros ambientes cristãos e até em instituições não religiosas. Em muitos contextos, torna-se quase um modismo. Ela deve ser vista como sinal de salvação e compromisso com Jesus. Carregar uma cruz ou fixá-la num estabelecimento deveria indicar a nossa adesão a Jesus e a seu projeto. Celebrar esta festa deveria nos fazer voltar aos verdadeiros “crucificados” presentes na sociedade: os pobres, os doentes, os idosos, os explorados e tantos outros. São esses os mais dignos de estar no centro de nossas celebrações. A salvação só virá a nós, filhos do bem-estar, por meio deles, para os quais é sempre válido o alerta de evangelho: “Tive fome, tive sede, era imigrante …” (Mt 25, 31-46).
Redescobrir a cruz gloriosa
O mundo antigo evidenciava não as causas, mas os efeitos da cruz; não aquilo que produz a cruz, mas o que é produzido pela cruz: reconciliação, paz, glória, segurança, vida eterna. A cruz que Paulo define como “glória” ou “honra” do crente. A festividade de hoje chama-se “exaltação” da cruz porque celebra precisamente este aspecto exaltante da cruz. Celebrar, então, esta festa é redescobrir a cruz gloriosa. Se, no momento em que se experimentava a provação, podia ser útil pensar em Jesus cravado na cruz entre dores e espasmos, porque isto fazia com que o sentíssemos próximo a nossa dor, agora há que pensar na cruz de outro modo. Por exemplo, se perdemos recentemente uma pessoa querida, talvez depois de meses de grande sofrimento, não há que continuar pensando nela como estava em seu leito, em tal circunstância, em tal outra, a que ponto se havia reduzido no final, o que fazia, o que dizia, talvez torturando a mente e o coração, alimentando inúteis sentimentos de culpa. Tudo isto terminou, já não existe, é irreal; atuando assim não fazemos mais que prolongar o sofrimento e conservá-la artificialmente com vida.
Há pessoas que, depois de terem acompanhado durante anos algum familiar em seu calvário, quando o Senhor o chama para Si, rechaçam viver de outra forma. Em casa, tudo deve permanecer como estava no momento da morte; tudo deve falar dele; visitas contínuas ao cemitério. Se há outras pessoas na família, devem adaptar-se a viver também neste clima permeado de morte, com grave dano psicológico. Estas pessoas são as que mais necessitam descobrir o sentido da festa de hoje: a exaltação da cruz. Já não és tu que leva a cruz, mas a cruz que te leva; a cruz que não te arrebata, mas que te ergue.
Há que pensar na pessoa querida como é agora que “tudo terminou”. Assim faziam com Jesus os artistas antigos. Contemplavam-no como é agora, como está: ressuscitado, glorioso, feliz, sereno, sentado no trono de Deus, com o Pai que “enxugou toda lágrima de seus olhos” e lhe deu “todo poder nos céus e na terra”. Já não entre os espasmos da agonia e da morte. Não digo que se possa sempre dominar o próprio coração e impedir que sangre com a recordação do sucedido, mas há que procurar que impere a consideração de fé. Senão, para que serve a fé? O imperador Constantino teve a visão de uma cruz com a frase: “Neste Sinal, vencerás!” Com este sinal, também nós venceremos…
Na Liturgia da Exaltação da Santa Cruz, vemos, na 1a Leitura (Nm 21,4b-9), que o povo hebreu quebrou a Aliança com Deus, mas foi redimido por meio da contemplação da serpente na haste, sinal da cruz libertadora de Jesus Cristo.
A 2ª Leitura (Fl 2,6-11), é um Hino cristológico que narra a história de Jesus, Filho de Deus, que se despojou da grandeza divina e assumiu a condição humana: “Esvaziou-se, humilhou-se, se fez obediente até a morte de cruz. Mas Deus o exaltou… tornando-o Senhor do universo”.
O Evangelho (Jo 3,13-17) apresenta Jesus, exaltado na Cruz, como fonte de vida e salvação para a humanidade. Como a serpente erguida por Moisés no deserto, foi sinal de salvação, assim Cristo, levantado na cruz, será Sinal de salvação a todos os que nele crerem.
A cruz de Jesus, ao mesmo tempo em que mostra a realidade de sofrimento, própria da limitação do ser humano, revela a imensidão do amor divino que, em solidariedade a nós, deixa-se morrer para nos comunicar a vida plena. Só compreendemos o mistério da ressurreição, quando aceitamos a cruz como máxima expressão do amor de Deus por nós.
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Pe. Leomar Antonio Montagna
Presbítero da Arquidiocese de Maringá – PR
Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças – Sarandi, PR