Fotomontagem publicada na revista “Copa dos Sonhos 2019”
O jogo da saudade
A partida não foi um espetáculo de técnica ou um exemplo de tática, mas a bravura foi contagiante. Muita chuva antes e um chuvisco intermitente durante todo o tempo do jogo prejudicaram o desempenho das duas equipes. A vitória do Country Club Maringá por 1 a 0, gol anotado por Gentil Vidoti nos últimos minutos depois de uma jogada brilhante que teve a participação de vários jogadores, premiou o time mais aguerrido, o que demonstrou maior espírito de luta. Com um grupo que tem a defesa como seu ponto forte, o treinador João Vercesi conseguiu aliar seus conhecimentos futebolísticos com uma boa dose de psicologia fazendo com que seus atletas cumprissem as funções através de um bom papo.
Diante do forte adversário, Vercesi armou sua equipe tendo Genir Galli no gol, os esforçados laterais Alcides Siqueira Gomes e Nilso Bertoni se revezando na marcação pelo lado direito e o aplicado Miguel Romero na esquerda. No miolo da zaga, o tranquilo Edinho Abrão, que sempre faz do jogo um divertimento, e Roberto Victoria, viril, forte, o rei dos cartões. Na cabeça de área, Altair Borghi, clássico e ótima visão de jogo. Era dali, dos seus pés, que saíam os passes para os rápidos contra-ataques. Orlando Barth e Luis de Carlo se encarregaram da contenção. Voluntariosos, bons marcadores, faziam o serviço pesado para servirem a Fredi Teles e a Gentil Vidotti quando estavam mais à frente ou a Altair Borghi, quando as jogadas eram no sistema defensivo. Fredi e Gentil eram a esperança de gols. O primeiro, craque na juventude, tinha vocação artilheira.
Já Gentil, grande, forte, de chute potente, encarava com coragem qualquer zagueiro e sabia fazer gols.
A jogada do gol foi um primor, digna de ficar para a história do Country. Teve origem com Galli, que, depois de saltar com o atacante adversário e segurar a bola, fez um autêntico malabarismo. Numa espetacular cambalhota, digna de um ginasta, o goleiro fez a reposição rapidamente com as mãos para Nilso Bertoni, que estava livre no lado direito. Bertoni entregou para Luis de Carlo, que serviu rapidamente Orlando Barth. Este tinha várias opções de passe, isto porque o adversário estava todo adiantado. Tinha Altair Borghi do seu lado, Fredi Teles da Silva, que corria pela esquerda desde o início do lance, e Alcides Siqueira Gomes, que apoiava o ataque pela direita e erguia os braços desesperadamente pedindo o passe. Barth optou por Borghi, algo instintivo, um costume, sabia que dali sairia boa jogada. Ao receber a bola, Borghi deu um corte seco no zagueiro que voltava desesperado e esticou para Fredi, que partiu celeremente pela ponta-esquerda. O centroavante Gentil Vidoti acompanhava toda a jogada e vinha na corrida para a área. O cruzamento veio à meia altura, na medida para o chute potente no ângulo, sem nenhuma chance para o goleiro.
Uma comemoração enorme, do tamanho da importância da partida. Lá atrás, Galli abraçava seus zagueiros, e na frente Gentil corria em direção ao técnico Vercesi, apertando com força o distintivo do Country na molhada camisa, sendo perseguido pelos demais companheiros que agradeciam aos céus e falavam palavrões. Um desabafo! Meninos vibrando, se abraçando. Na arquibancada, familiares e amigos vibravam, se abraçavam. Vercesi sabia que a qualquer momento seu time armaria o contra-ataque. Depois, longos minutos de espera pelo apito final. Já não havia tática, chutes para todos os lados, bolas cruzando a área, coração na mão… Juiz apita. Fim de jogo. Vitória! Sofrida vitória!
Não houve um consenso sobre quem foi o melhor em campo. Os torcedores preferiram exaltar a garra de cada um dos jogadores, mas é preciso destacar o goleiro Galli, responsável por, pelo menos, três defesas dificílimas, mostrando arrojo ao sair nos pés dos atacantes e agilidade e reflexo para saltar e agarrar uma bola que havia sido desviada pelo seu companheiro Edinho Abrão.
A dupla de zaga com Edinho e Roberto Victoria esteve irrepreensível durante todo o jogo. Tanto pelo alto como pelo chão. Quando não era possível sair jogando com a bola nos pés, o recurso “bumba meu boi bola pro mato que o jogo é de campeonato” foi amplamente utilizado. Altair Borghi, Miguel Romero, Nilso Bertoni e Alcides Siqueira Gomes tiveram dificuldades nos primeiros minutos por conta da estratégia montada pelo técnico Vercesi que não havia sido treinada nenhuma vez. As falhas foram corrigidas depois dos 15 minutos de jogo, principalmente pelo fato de um companheiro buscar suprir a deficiência do outro na marcação. Nilso Bertoni afirmou após a partida que os jogadores fizeram o pacto de vencer a qualquer custo, tendo como motivação ficar para a história do clube. Só isto para explicar tamanha determinação. Alcides, feliz, fez piada ao comentar o lance do gol, arrancando risos dos companheiros: “Ainda bem que o Orlando não passou pra mim. Dizem que sou lateral castrado, não cruza mais, ou Canal 100, câmara lenta.”
No meio campo, Luis de Carlo e Barth estavam extenuados. Priorizar a marcação, fechando os espaços de modo a impedir que a bola chegasse aos alas adversários, foi por demais desgastante. Jogadas criativas foram poucas. A dupla soube trabalhar a posse de bola, mas a falta de um meia-atacante sobrecarregou os jogadores. O campo pesado atrapalhou o habilidoso Fredi Teles. Ele e Gentil Vidoti lutaram bravamente contra a ótima zaga adversária, tiveram algumas chances de marcar. A mais clara, Gentil converteu, provando que, para um atacante matador, basta uma oportunidade para mostrar seu valor.
Após o apito final, enquanto os jogadores se abraçavam e torcedores, familiares e amigos aplaudiam, o treinador João Vercesi caminhava sereno na volta ao vestiário. Os meninos jogaram por eles, por ele e pelo Country Club. Jogaram pela paixão ao futebol e o amor pela vida. Na porta do vestiário, Vercesi aguardou seus atletas, deu um abraço apertado em cada um deles, que foram entrando, entrando para a história. Por fim, ele acenou para todos que estavam na arquibancada, deu um sorriso de contentamento e também entrou para a história, para a história do Country Club de Maringá.
O time das eternas lembranças
A bola já não rola para eles, fim da rotina dos jogos nas noites, nas tardes de sábado e nas manhãs de domingo. Fim da gostosa ansiedade de acordar e saber que hoje tem jogo, da satisfação de preparar a mochila com as chuteiras ou tênis, o calção e os meiões, da alegria de encontrar os amigos no vestiário se preparando para a “batalha” em que todos são vencedores, das bonitas e risíveis jogadas, das entradas ríspidas, das costumeiras discussões com a arbitragem, afinal o juiz será sempre o culpado. Fim dos gols, das defesas, das conversas nas mesas do bar, da feliz volta para casa, apesar de dores aqui e ali, da felicidade de saber que outros jogos virão, que os próximos serão ainda melhores.
Não, nunca mais. Para eles, a bola não rola mais nem no gramado nem na quadra. Nunca mais. Foram convocados para o time das eternas saudades. Formaram uma equipe em outra dimensão. E a gente fica por aqui recolhendo memórias de longos e intensos convívios. Tão longos e tão intensos que às vezes não acreditamos que eles já não estão entre nós. Figuras marcantes: falantes, quietos, expansivos, circunspectos, tensos, tranquilos. Todos eles jogadores de futebol. Todos marcantes. Com pinta de craque, sem jeito para craque, alto, baixo, gordo, magro, bravo, chorão, veloz, lento, hábil, grosso…
Todos, com suas características físicas, personalidades próprias e estilo de jogo, orgulhosamente, são jogadores de futebol. Em comum, eles tiveram a paixão por este esporte que faz a gente adiar, transferir e não comparecer a compromissos, esquecer datas importantes, que faz a gente perder o sono antes da grande final, de não conseguir dormir pelo gol perdido e ficar acordado até altas horas saboreando o golaço, as jogadas, a conquista.
Futebol que reuniu estes eternos garotos dentro das quatro linhas e os uniu pela vida. Alguns de épocas diferentes, mas no mesmo palco: o Country Club de Maringá. Alguns foram saindo de surpresa, outros tiveram que carregar sofrimentos antes da despedida final. Este grupo deixou um grande vazio que o tempo não abranda. Então, contamos suas histórias porque eles estão sempre na nossa memória e fazemos de cada lembrança uma homenagem. Eternos meninos apaixonados pelo futebol.
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