TOCANTINS: Uma iniciativa da Constituição de 88

Por: Tadeu Bento França ex-deputado federal constituinte

A verdade é que durante a Assembleia Nacional Constituinte, na proposta da divisão do Estado de Goiás para a criação do Estado de Tocantins, a marca divisória passaria nas proximidades da pequena cidade de Arraias, terra natal de meu pai, Militão Bento França, onde começaram a fervilhar contradições: -E agora, irmão, continuar goiano ou virar tocantinense?-Nasci goiano e quero morrer goiano- era a voz da maioria até entre os parentes. De minha parte, paranaense, filho de goiano, ocupando uma cadeira de deputado federal constituinte, caberia votar pela aprovação ou rejeição do trâmite para a criação do novo Estado.

Lembrava que na década de 40, o meu pai, boiadeiro profissional, saíra de Arraias a cavalo e transpusera o rio Paranã rumo à terra roxa norte-paranaense dos cafezais. Muito pouco de estradas, que o mais eram trilhas sem fim na imensidão do cerrado. O cardápio era sempre o mesmo: carne seca, farinha e rapadura. Ao chegar a Frutal no Triângulo Mineiro, o alazão não resistiu e morreu. Fazer o quê?

O jeito era trabalhar ao menos uns três meses nas plantações dos mais saborosos abacaxis do Brasil comprar outro cavalo que resistisse até São Paulo, onde venderia o animal e os arreios e seguiria de trem-de-ferro até a roxa terra da nova fronteira agrícola dos cafezais que a muitos enriquecia.

E foi assim que o retirante goiano cultivou café, constituiu família, tornou-se corretor bem sucedido, somou grande porção de matas como fração de comissões, aliou-se a um sócio, instituíram a Imobiliária Santa Fé e no após- guerra lotearam o patrimônio que ainda no verde da paisagem serviu-me de berço na terra em que nasci: Santa Fé do Paraná. E se o meu pai estivesse aqui – pensei- ele gostaria de continuar goiano ou ser tocantinense? Procurei o colega constituinte, Siqueira Campos, proponente da criação do novo Estado.

Expus a dúvida. Ele me devolveu com outra pergunta: o que você acha melhor? Lembrei- me de Arraias, estática, desde que os bandeirantes ali procuraram ouro e só encontraram cristal. Muitos deles nem voltaram para São Paulo. Ficaram ali em casas de feição colonial, famílias constituídas com mulheres indígenas e optei pela opção de um novo Estado, capaz de aquecer o progresso do nordeste goiano empobrecido. Arrisquei até o nome de uma capital: Tocantínia, mas fui voto vencido. Prevaleceu a opção por Palmas.

Anos depois ao visitar Arraias, deparei com melhorias e, de modo especial, o funcionamento de vários cursos em nível superior vinculados a Universidade Federal de Palmas. Intromissão de minha parte? Pode ter sido. Finalmente, eu era representante do Paraná, mas cioso por um novo dia com o verde da esperança que me conferiu o orgulho de ser filho de um retirante de Arraias para sempre.

Tadeu França
professor universitário
ex-deputado federal constituinte