Por
Era para ser uma segunda-feira como qualquer outra na vida da assistente social Cláudia Rosalina Adão. Mas, naquela manhã, no caminho de seu trabalho ela se deparou com três corpos juntos ao meio-fio. Eram jovens e negros que, desde a madrugada anterior, já faziam parte de uma estatística: eram números e nada mais na contabilidade do poder público. A cena motivou Cláudia a estudar o fenômeno das mortes de jovens negros na cidade de São Paulo na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), resultando no estudo de mestrado Território de morte – homicídio, raça e vulnerabilidade social na cidade de São Paulo.
“O que mais chamou minha atenção foi a ‘indiferença’ das pessoas que por ali passavam”, lembra Cláudia, ressaltando que, não bastasse o descaso de alguns, outros comentavam que ‘foi feita a justiça’. Outras pessoas sequer comentavam ou observavam e seguiam normalmente seu caminho”, lamenta. “Foi quando decidi melhor compreender os motivos que levaram aqueles jovens à morte”, conta a pesquisadora.
Origens históricas
Cláudia é assistente social num Centro Social Marista, localizado no bairro União e Vila Nova, em São Miguel Paulista, na zona leste da cidade de São Paulo. E foi no trajeto para seu trabalho que ela presenciou os corpos. Ao estudar o problema na EACH, sob orientação do professor Dennis de Oliveira, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, ela pôde constatar que esta triste situação não teve início nos tempos recentes, mas desde os períodos pré e pós-abolição.
Em sua pesquisa, Cláudia revela que as origens desse problema resultam das escolhas do poder público. “Quais as chances de se encontrar três corpos de jovens negros em Higienópolis, por exemplo?”, questiona a pesquisadora. “Se somarmos a pobreza e o perfil racial aos assassinatos teremos a origem de uma articulação que contribuiu decisivamente no processo de periferização de nossa cidade”, afirma Cláudia, enfatizando que “o estopim foi nos anos antes e depois da abolição”. Além disso, segundo a pesquisadora, houve também todo um processo de imigração que incentivou a vinda de estrangeiros, principalmente europeus, para trabalharem nas fazendas como colonos e nos centros urbanos. “Já havia ali um processo de ‘branqueamento’ pelo qual nosso país passa até hoje. Naquele período, 90% dos postos de trabalho eram destinados aos recém-chegados do continente europeu”, afirma Cláudia.
Números alarmantes
Os números sobre as estatísticas das mortes dos jovens negros em São Paulo, na opinião de Cláudia, são “alarmantes”. Ela cita o Mapa da Violência, uma das fontes de seu estudo, que é totalmente bibliográfico. De acordo com o Mapa, entre os anos de 2003 e 2014, houve no Brasil uma queda no número de homicídios por armas de fogo da população branca e um aumento de vítimas da população negra, representando uma queda de 26,1% no segmento branco e um aumento de 46,9% no negro. No total, o número de homicídios referentes ao mesmo período (2003 a 2014) foi em torno de 13 mil brancos e mais de 20 mil negros.
Cláudia lembra ainda que os números relacionados às mortes de jovens negros somente foram contabilizados a partir de 1996. “E isso graças às reivindicações dos movimentos sociais negros”, enfatiza. Segundo a pesquisadora, os locais com maior incidência são os extremos da cidade, principalmente nas zonas sul e leste da cidade. “Em geral são mortos pela segurança pública ou pela dinâmica da Política de Drogas”, acredita.