Os europeus que se identificam como LGBTI enfrentam um ambiente cada vez mais tóxico, violento e mesmo mortal, apesar de várias vitórias legislativas, revela o relatório de 2022 da ILGA-Europa. Trata-se de uma federação de organizações não-governamentais com mais de 600 entidades na Europa e Ásia Central.
Os suicídios entre a população LGBTI aumentaram, bem como a emigração para fugir à repressão. Tem diminuído o espaço para a sociedade civil se exprimir, um pouco por todo o continente, revela o estudo.
A situação das pessoas transexuais tornou-se particularmente preocupante, uma vez que o discurso do ódio, a polarização política e argumentos distorcidos criaram m«um clima de insegurança e de hostilidade para estas pessoas.
A educação sexual também está a ter grandes desafios em países tais como a Hungria, a Sérvia, a Rússia, a Itália e o Reino Unido.
As tendências em 2022 revelam não só um aumento acentuado do número de ataques, mas da agressividade com que foram conduzidos e do nível de letalidade. Exemplo disso foram os tiroteios em Bratislava (Eslováquia) e em Oslo (Noruega).
“São ataques deliberados e com o desejo de matar”, disse Evelyne Paradis, diretora-executiva da ILGA-Europa, em entrevista à euronews.
Aumento do discurso do ódio
Os crimes de ódio contra a comunidade LGBTI estão “em ascensão” na França, Hungria, Alemanha, Montenegro, Islândia, Roménia, Espanha, Turquia, Suíça e Rússia.
O discurso de ódio tem sempre um impacto.
Traduz-se sempre, num ponto ou noutro, em violência física,
porque contribui para criar um clima onde a violência física é permitida.
Evelyne Paradis – Diretora-executiva, ILGA-Europa
As razões por trás desta violência são múltiplas, e variam de país para país, mas podem ser rastreadas até um padrão comum: o discurso do ódio.
“Há um aumento do discurso do ódio, incluindo daquele que é frequentemente proferido por políticos, por altos funcionários, por líderes de opinião e, atrevo-me a dizer, também do discurso do ódio que a comunicação social permite divulgar”, explicou Paradis.
“O discurso de ódio tem sempre um impacto. Traduz-se sempre, num ponto ou noutro, em violência física, porque contribui para criar um clima onde a violência física é permitida”, acrescentou.
Do ponto de vista mais positivo, o relatório revela que tem havido mais julgamentos de crimes de ódio, à medida que os tribunais europeus se tornam mais recetivos a estas queixas.
No entanto, os processos judiciais têm pouca influência na prevenção da violência, disse Paradis, que é uma tarefa dos políticos e das forças da lei.
Pessoas transexuais muito visadas
O relatório abrange 54 países, nos quais existem filiais da ILGA-Europa, e um dos destaques vai para a situação das pessoas transexuais, onde se verifica um “enorme retrocesso” e obstáculos legais persistentes.
As pessoas transexuais pretendem obter o reconhecimento legal de um sexo diferente daquele que lhes foi atribuído à nascença, através da emissão de um novo certificado de identidade.
Este processo, conhecido como reconhecimento de género, é extremamente variável na Europa: alguns Estados permitem a auto-identificação para facilitar a mudança, enquanto que outros exigem um diagnóstico médico de disforia de género. Os ativistas estão contra este requisito porque faz com que a identidade transexual seja vista como um distúrbio de saúde mental.
Os direitos dos transexuais têm vindo a aumentar, mas essa visibilidade criou uma onda de maior agressividade por parte daqueles que se lhe opõem.
“As pessoas transexuais são um alvo fácil para os políticos de direita, e são um alvo fácil porque ainda prevalece a falta de conhecimento sobre a realidade das pessoas transexuais, sobre o que é viver como transexual”, disse a diretora-executiva da ILGA-Europa.
“Tem sido muito difícil ter discussões civilizadas em torno de leis muito necessárias, que realmente protegem as pessoas, porque estas pessoas estão a ser desumanizadas”, acrescentou.
Espanha e Finlândia estão entre os países europeus que, recentemente, aprovaram leis progressistas para reforçar os direitos dos transexuais.
No Reino Unido, onde os direitos transexuais são frequentemente colocados em oposição direta aos direitos das mulheres, o tema adquiriu características de uma guerra cultural.
No mês passado, o Parlamento britânico travou uma nova lei escocesa de reconhecimento do género, baseada num sistema de auto-identificação, argumentando que poderia ter um impacto prejudicial nas leis de igualdade a nível nacional. Em resposta, as autoridades escocesas classificaram a iniciativa de “ataque frontal total” ao seu parlamento democraticamente eleito.
Notas positivas
O relatório da ILGA-Europa destaca desenvolvimentos positivos em todo o continente, incluindo novas proibições de terapias de conversão e intervenções desnecessárias em crianças intersexo, cujos corpos não se encaixam num rigoroso binário masculino-feminino.
Além disso, o casamento entre pessoas do mesmo sexo tornou-se legal na Suíça e na Eslovénia e houve notáveis progressos nos direitos das famílias cujos pais são do mesmo sexo no caso da Finlândia, Dinamarca, Suécia, República Checa, Lituânia e Espanha.
“Todas estas mudanças positivas são possíveis porque as pessoas continuam a lutar e continuam determinadas, apesar de o contexto não estar a tornar as coisas mais fáceis para elas”, disse Paradis. euronews