O cenário do evangelho deste domingo, narra o encontro de Jesus com seus discípulos no entardecer do dia da ressurreição, “estando fechadas por medo dos judeus, as portas do lugar”, e um segundo encontro, com o mesmo grupo, no mesmo local, oito dias depois, “estando de novo as portas fechadas” (Jo 20, 19-31). O que domina o grupo é o medo dos judeus, da multidão que gritava crucifica-o, incitada pelos sumos sacerdotes, pelos membros do Sinédrio, escribas e doutores a lei.
E se arrastaram o mestre à cruz, não estariam ameaçados da mesma sorte, longe de sua Galileia, dos seus familiares e amigos, perdidos na cidade de Jerusalém? No primeiro encontro, estavam todos reunidos. Faltava, porém, Tomé, que insiste em não acreditar nos que lhe asseguravam: “Vimos o Senhor” (19, 25). Retrucava-lhes com veemência: “Se eu não vir nas mãos os sinais dos cravos, e não puser o dedo no lugar dos cravos e minha mão no seu lado, não acreditarei” (19, 25). Jesus se coloca no meio deles, sem reprova-los pelo abandono, pela covardia, pela fuga de todos eles, sem queixar-se da traição de Judas e da negação de Pedro. Sua saudação é outra: “A paz esteja convosco” (20, 19b). O ambiente se transforma e eles se enchem de alegria por verem vivo o crucificado. A estes apavorados e medrosos Jesus acrescenta: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Após essas palavras, “soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, serão perdoados. A quem não perdoardes os pecados, não serão perdoados’” (19, 21-23(. Paz, alegria, perdão e reconciliação, encargo de continuar a missão do ressuscitado, sustentados pelo Espírito Santo. Estamos hoje também como discípulos e comunidades: encolhidos, temerosos, afastando-nos dos mais necessitados como pessoas perigosas, erguendo muros de separação, cercas eletrificadas, condomínios fechados. Aplaudimos a violência policial, batemos palmas para as guerras ou apenas lamentamos, mas nada fazemos. Isolamo-nos cada vez mais, fechamos portas e janelas, deixamos de ser solidários e generosos e não temos um propósito de vida arrebatador. O Ressuscitado vem arrancar-nos desta espiral de morte e chamar-nos de novo à vida, à alegria, à paz que brota da justiça e a tudo que é fruto do Espírito: alegria, bondade, partilha, fé na vida. Sejamos como Tomé e nos deixemos interpelar por Jesus: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas fiel”. Tomé responde-lhe: ‘Meu Senhor e meu Deus’. Jesus lhe disse: “Acreditaste, Tomé, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto” (19, 27-28). O fruto dessa fé e do amor operante dos que acolherem o Espírito do ressuscitado é descrito nos atos dos Apóstolos: “Entre eles, ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas, vendiam-nas, levavam o dinheiro e o colocavam aos pés dos apóstolos. Depois era distribuído, conforme a necessidade de cada um” (At 4, 34-35). Este domingo da oitava da Páscoa é também o Domingo da Misericórdia, que responde à convocação do Salmo, a todo o povo: “Dai graças ao Senhor porque é bom e eterna é a sua misericórdia” (117, 1).