ARTIGO: Por uma sociedade livre de toda opressão, por Leomar Montagna

Dia Nacional da Consciência Negra e dia de Zumbi – 20 de novembro

O Dia Nacional da Consciência Negra é comemorado em 20 de novembro e faz referência ao dia da morte de ZUMBI. Zumbi nasceu em 1655, sendo descendente de guerreiros angolanos, e seu nome significa a força do espírito presente. Zumbi foi líder do QUILOMBO, chamado de Angola Janga ou de Angola Pequena, os quilombos, que na língua banto significam ‘povoação’, funcionavam como núcleos habitacionais e comerciais, além de local de resistência à escravidão, já que abrigavam escravos fugidos de fazendas.

No Brasil, o mais famoso dos Quilombos foi PALMARES. O nome Palmares foi dado pelos portugueses, em razão do grande número de palmeiras. Situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na região Nordeste do Brasil. Palmares constituiu-se como abrigo não só de negros, mas também de brancos pobres, índios e mestiços extorquidos pelo colonizador. O Quilombo dos Palmares foi defendido, no século XVII, durante anos, por Zumbi, contra as expedições militares que pretendiam trazer os negros fugidos novamente para a escravidão.

ZUMBI DOS PALMARES é símbolo de resistência negra, mártir da dignidade dos afrodescendentes no Brasil.

Zumbi foi um grande líder da resistência negra e da luta pela liberdade, autor da célebre frase: “Nascer negro é consequência, ser negro é consciência”. O Movimento Negro Brasileiro, emergente no final da década de 1970, muito contribuiu para o resgate da vida e história de Zumbi, fazendo-o, assim, uma das suas importantes bandeiras de luta. Na Pastoral Afro, desde o seu início, se canta: “Ei Zumbi, você não morreu! Você está em mim!”
Esta data homenageia e resgata as raízes do povo afro-brasileiro, mas sabemos que, para se chegar a esta data celebrativa, foi necessária muita luta e pressão política, por meio de vários projetos de leis, exemplo disso é a Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011.

Zumbi foi morto em 20/11/1695, por bandeirantes liderados pelo paulista Domingos Jorge Velho. O corpo perfurado por balas e punhaladas foi levado a Porto Calvo. Sua cabeça foi decepada e remetida para o governador da Província de Pernambuco, o qual mandou que fosse espetada num pau e fincada na Praça do Carmo, em Recife, para que todos os passantes pudessem ver e os negros se amedrontar.

Os quilombos não deixaram de existir quando Palmares foi destruído. Vários outros quilombos foram formados nos duzentos anos após o fim de Palmares. Tendo esta data e Zumbi por referência, o Movimento Negro, buscando valorizar a cultura afro-brasileira, criou a Semana da Consciência Negra. Ao longo destas últimas décadas, a consciência sobre Zumbi alastrou-se. Comemora-se essa data nas escolas, entidades, espaços culturais e em outros locais. Entidades organizam eventos educativos, palestras e atividades culturais, visando principalmente às crianças negras. De diversas formas, procura-se trabalhar a autoestima e o senso de valorização pessoal, evitando o desenvolvimento do auto preconceito, que faz com que muitos se sintam inferiores perante a sociedade. Outros temas ganham evidência e são levados ao debate, como a inserção do negro no mercado de trabalho, a questão das cotas universitárias, o preconceito racial e a questão da diferenciação salarial. Hoje, o herói negro é motivo de feriado em muitas das principais cidades brasileiras e as comemorações referidas a ele não cabem em uma semana, mas se estendem durante todo o mês de novembro.

Lembro aqui o grande bispo Dom Demétrio Valentini que dizia: “Os heróis são portadores de bandeiras, cuja validade ainda permanece. A melhor maneira de honrar sua memória é levar adiante as causas pelas quais deram sua vida”. Penso que seja esse o objetivo de celebrar esta data tão importante, não só para o Movimento Negro, mas para todos nós que acreditamos em um Brasil e em um mundo melhor possível.

Entretanto, uma questão que se levanta é por que demoramos trezentos anos para ver em Zumbi um herói nacional? Outra questão é saber qual é a situação dos negros no Brasil atualmente? Ainda é possível ver os reflexos da história de desigualdade e exploração da população negra? A maioria dos negros no Brasil pertence a qual classe? Os negros ainda sofrem com o racismo ou ainda são vítimas de humilhações de várias formas na sociedade?
Sabemos que eles carregaram o peso de uma das maiores perversidades produzida pela civilização ocidental, que foi a espoliação do continente africano, pelo nefasto processo de colonização dos seus países, e, sobretudo, pela subjugação das populações africanas ao trabalho escravo, seja na própria África, como em outros países, e pela exportação da mão de obra escrava.

Sabemos que o Brasil foi o último país do mundo a abolir oficialmente a escravidão. Mais tempo do que a escravidão do Egito, perdurou a escravidão no Brasil. Não é de estranhar que suas consequências ainda se façam sentir, pelo peso dos preconceitos contra a população negra, por discriminações que ainda permanecem, e por situações de inferioridade social que se introduziram na estrutura da sociedade brasileira, e que só irão desaparecer a custo de um longo processo de superação que precisa ser levado adiante.

Daí a importância do esforço de conscientização que simbolicamente tomou forma em torno da figura emblemática de Zumbi dos Palmares. Ele simboliza o despertar da consciência, em primeiro lugar, das populações negras, mas também de todos os brasileiros. Há um esforço de conscientização que é indispensável para todos os brasileiros.

Temos uma dívida social e cultural muito grande com os afrodescendentes: a Lei de preconceito de raça ou cor nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e leis como a de cotas raciais, no âmbito da educação superior, e, especificamente, na área da educação básica, a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira, são exemplos de legislações que preveem certa reparação aos danos sofridos pela população negra na história do Brasil. Eles trouxeram para o Brasil, com sua presença, um grande contributo, representado não só por seu trabalho, mas, sobretudo, pelo valor de sua cultura e, simplesmente, por sua presença, merecedora de nossa estima, de nosso carinho e de nossa solidariedade. Desde o Brasil Colônia até a atualidade, a influência dos negros africanos foi imensa, sobretudo, nos aspectos religiosos, políticos, sociais e gastronômicos. Ao longo da nossa história, as crenças, as danças, o vocabulário, a culinária, o folclore e tantas outras coisas foram sendo incorporadas à nossa cultura. Solidários com a população negra em nosso país, expressamos nossa gratidão por sua inestimável colaboração com nossa história e nossa missão.

Sabemos que o fim da escravidão ocorreu legalmente em 13 de maio de 1888, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea que abolia a escravidão no Brasil. Porém, comemorar o fim da escravidão em uma data em que uma pessoa branca e pertencente à família real portuguesa, a principal responsável pela escravidão no Brasil, assinou uma lei pondo fim ao cativeiro faz parecer que a abolição foi feita pelos próprios escravistas. Faz com que a abolição se apresente a nós como um favor dos brancos aos negros.

Celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra e dia de Zumbi em 20 de novembro serve para manter viva a lembrança de que o fim da escravidão foi conseguido pelos próprios escravos que, em nenhum momento, durante o período colonial e imperial, deixaram de lutar contra a escravidão.

Mesmo nos anos finais da escravidão, a ocorrência de fugas em massa de escravos das fazendas, a ocupação de terras e a realização de rebeliões foram muito importantes para que a Lei Áurea fosse assinada.

O fim da abolição não representou também o fim dos problemas sociais para os escravos libertados. O racismo e a resistência à inclusão dos negros na sociedade brasileira, após a abolição, foram também um motivo para se escolher o dia 20 de novembro como data para se lembrar dessa situação.

A resistência dos afrodescendentes não se fez apenas no confronto direto contra os senhores e forças militares, ela também ocorreu no aspecto religioso e cultural, como no candomblé, na capoeira e na música. Relembrar essas características culturais é uma forma de mostrar a importância dos africanos escravizados e de seus descendentes na formação social do Brasil.

Pe. Leomar Antonio Montagna
Presbítero da Arquidiocese de Maringá
Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças, Sarandi – PR