niciaremos o período da Quaresma na Quarta-feira de Cinzas, a Quarta-feira de Cinzas é a porta de entrada da Quaresma rumo à Páscoa da Ressurreição. No Brasil, também, damos início à Campanha da Fraternidade. Entramos, assim, no grande tempo em que se vive, de maneira mais intensa, o programa que Jesus nos propõe: oração, jejum e caridade.
A cinza na cabeça é usada em sinal de penitência, de conversão, de luto pelo pecado. Ao receber as cinzas, expressamos, com humildade e sinceridade de coração, que desejamos nos converter e crer de verdade no Evangelho. As cinzas simbolizam o nosso nada diante do Criador. Fomos criados do pó da terra e ao pó voltaremos.
A Quarta-feira de Cinzas marca o início dos 40 dias da Quaresma. A Bíblia usa, com frequência, o período de 40 dias ou 40 anos para indicar períodos especiais, que criam um clima adequado para algo que vai acontecer:
– O Dilúvio durou 40 dias e 40 noites para purificar a humanidade corrompida, foi a preparação para uma nova humanidade.
– Durante 40 anos passou Israel no deserto a caminho da Terra Prometida. Foi uma experiência de purificação dos falsos deuses, de adesão aos mandamentos (Aliança) e de solidariedade.
– Durante 40 dias fizeram penitência os habitantes de Nínive antes de receber o perdão de Deus.
– Durante 40 dias e 40 noites, caminhou Elias até chegar à Montanha de Deus.
– Durante 40 dias e 40 noites, Moisés e Jesus jejuaram no início da Missão.
Assim, os 40 dias da Quaresma são também um tempo especial de conversão e renovação interior, em preparação da nossa Páscoa.
Qual o espírito que deve animar esse tempo?
Encontramos a resposta no Evangelho de Mt 6,1-6.16-18, que nos é proposto na liturgia da Quarta-feira de Cinzas, neste, Jesus nos convida à conversão e à prática da justiça e nos apresenta três atitudes importantes que os cristãos são chamados a viver durante a Quaresma: a caridade, a oração e o jejum. Estas três práticas religiosas e sociais devem visar ao agrado de Deus e não, necessariamente, aos aplausos humanos; devem ser realizadas com autenticidade, sem exibicionismo, este é o conselho de Jesus aos seus discípulos e a todos nós: que, se possível, só o Pai veja e saiba o bem que é realizado.
Jesus não nega o valor dessas práticas em relação ao próximo (caridade), a Deus (oração) e a si mesmo (jejum), mas ele mostra como devem ser feitas para que se tornem autênticas.
– A Caridade: deve expressar o compromisso com a vida do outro. Qualquer outra motivação transforma esse gesto em promoção de quem oferece, desvirtuando seu sentido. Deve ser em segredo e não uma ocasião para se exibir, para ser elogiado ou tirar vantagens publicamente. Ela não se reduz à oferta de dinheiro, alimentos, roupas e outros objetos: “Misericórdia, eu quero e não sacrifícios”. Deus espera que tiremos algo de nós mesmos para Lhe oferecer. A oferta exterior precisa simbolizar e significar essa doação interior: tiramos algo de nós, um pedaço mesmo, para oferecer a Deus que vive em nossos irmãos. A caridade deve nos levar a um gesto de doação aos nossos irmãos, no serviço fraterno, na solidariedade e na partilha.
Para a Quaresma, o Papa Francisco propõe 15 simples atos de caridade que ele mencionou como manifestações concretas de amor:
1. Sorrir, um cristão é sempre alegre!
2. Agradecer (embora não precise fazê-lo).
3. Lembrar ao outro o quanto o amamos.
4. Cumprimentar com alegria as pessoas que você vê todos os dias.
5. Ouvir a história do outro, sem julgamento, com amor.
6. Parar para ajudar. Estar atento a quem precisa de você.
7. Animar a alguém.
8. Reconhecer os sucessos e qualidades dos outros.
9. Separar o que você não usa e dar a quem precisa.
10. Ajudar a alguém para que ele possa descansar.
11. Corrigir com amor; não calar por medo.
12. Ter delicadezas com os que estão perto de você.
13. Limpar o que sujou, em casa.
14. Ajudar os outros a superar os obstáculos.
15. Telefonar ou visitar mais seus familiares, parentes e amigos.
– A Oração: deve nos levar a uma experiência pessoal com Deus, não deve ser uma repetição monótona de fórmulas, nem mesmo uma lista de petições. Deve ser um diálogo com Deus para entender e aceitar o seu projeto. Essa oração é escuta e abertura do coração para nos dispor a acolher os planos de Deus em nós. Requer tempo e ambientes adequados. Sem oração, uma pessoa é como um soldado sem água, comida e munição.
– O Jejum: é a postura humana diante das coisas, do ter e do consumir. É ser maior que as coisas. Ter domínio de si. Privar-se de algo em benefício do outro, sentir e comprometer-se com os que são privados de acesso aos bens básicos, mas o jejum vai muito além da abstenção de alimentos, deve nos levar a um gesto concreto de conversão: privar-se de algo para uma maior liberdade interior. Não é expressão de luto e de dor, mas sim expressão de alegria pela presença do Reino de Deus no mundo. Jejuar é criar espaço em nós para que a graça de Deus nos refaça e nos preencha.
O jejum é um treinamento no conhecimento próprio, é uma arma chave para o autodomínio. Se não temos domínio sobre nossas próprias paixões, especialmente sobre a comida e o sexo, não podemos nos possuir a nós mesmos e pensar nas carências dos nossos irmãos.
Qual é, então, o melhor jejum? Algumas dicas:
• Jejum de palavras negativas; dizer palavras bondosas.
• Jejum de descontentamento; encher-se de gratidão.
• Jejum de raiva; encher-se com mansidão e paciência.
• Jejum de pessimismo; encher-se de esperança e otimismo.
•Jejum de preocupações; encher-se de confiança em Deus.
• Jejum de queixas; encher-se com as coisas simples da vida.
• Jejum de tensões; encher-se com orações.
• Jejum de amargura e tristeza; encher o coração de alegria.
• Jejum de egoísmo; encher-se com compaixão pelos outros.
• Jejum de falta de perdão; encher-se de reconciliação.
• Jejum de palavras; encher-se de silêncio para ouvir os outros.
Como praticar jejuns específicos?
– Jejum da língua: evitar falar o que não se deve: fofocas, maledicências, piadas maldosas e inconvenientes etc. Quando falarmos a alguém um fato acontecido, devemos passar pelas três peneiras: “É verdade, é necessário, vai fazer bem?” Outro exemplo é o saco de penas, depois de espalhadas, dificilmente às recolheremos de volta (Santo Afonso).
– Jejum dos passos: evitar frequentar lugares inconvenientes a um bom cristão. Não se isolar e sim ir ao encontro dos que precisam: doentes, carentes, idosos etc.
– Jejum da visão: deixar de lado aquilo que não engrandece nossa alma (vida interior). Selecionar melhor o que vemos no celular, na televisão, internet etc. Ver, ler e ouvir coisas sadias.
– Jejum do gosto: evitar aqueles alimentos que mais apreciamos ou que nos prejudicam: doces, sorvetes, bebidas, cigarros, drogas etc. Praticar gestos de caridade, ajudar famílias, pastorais etc.
– Jejum do coração: buscar sempre o desapego às coisas que nos atrapalham a seguir Cristo. Buscar a comunhão com Deus por meio da Palavra, da Oração e da Contemplação.
O tempo da Quaresma é o tempo privilegiado da peregrinação interior até Aquele que é a fonte da misericórdia. Tempo de revisão de vida, de renúncia, de oração, jejum e gestos de solidariedade, de conversão, de mudança de vida pessoal e comunitária, é tempo de fraternidade.
Quaresma é tempo de Fraternidade
Olhando para a realidade de nosso planeta, país, estado e município, o que necessita ser mudado, modificado? O que nos chama a uma conversão pessoal, mas, também, comunitária? A Igreja, por meio da Campanha da Fraternidade 2022, nos propõe o tema: “Fraternidade e Educação”, com o lema: “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31,26). O que significa conversão, para cada um de nós, diante desta realidade que atinge a sociedade como um todo? Como fazer acontecer o Reino de Deus na realidade onde me encontro? Cada um de nós deve fazer sua parte, começando pela sua casa, seu ambiente de trabalho e junto às pessoas com as quais se relaciona.
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Pe. Leomar Antonio Montagna
Presbítero da Arquidiocese de Maringá – PR
Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças – Sarandi – PR