Na Liturgia deste III Domingo da Quaresma, veremos, na 1a Leitura (Ex 20, 1-17), que Deus dá os mandamentos ao povo não como peso, mas para garantir-lhe a felicidade e a vida. Estes possibilitarão ao povo formar uma relação social na qual todos possam viver com liberdade e dignidade, porque eles não deixariam viver uma sociedade baseada na escravidão, que leva para a morte. Os mandamentos são a ‘Lei de Deus’, não se trata de simples leis, são princípios que orientam para uma nova compreensão e prática de vida.
O que é Lei (lege): regra de direito ditada pela autoridade para manter a ordem. As Leis são, também, normas elaboradas pelo legislativo; obrigações impostas, princípios, regras. A Justiça e a caridade, que estão na base de toda convivência social, exprimem-se em leis. Estas devem aplicar concretamente a cada sociedade os valores que garantam a harmonia do conjunto e o bem de cada pessoa.
A lei é uma determinação (ordem, não conselho) da razão (que conhece), em vista do bem comum (comunidade), promulgada (tornada pública) por quem tem o encargo da comunidade (autoridades legítimas).
A Lei Divina foi Deus que promulgou (publicou) diretamente, isto é, foi revelada (Rm 13, 1-7). Ela pode ser assim compreendida:
1º) Eterna – é o plano de sabedoria para levar as criaturas ao fim supremo. Fonte primeira de todas as leis, fundamento de toda autoridade (Sb 8,1; Pr 8,14-16).
2 – Natural – Deus promulga pela natureza das criaturas, pode ser:
a) Física – lei da natureza que rege as criaturas sem que haja conhecimento ou liberdade. Ex: gravidade, atração, flutuação.
b) Moral – coincide com as normas que o homem pode conhecer à luz da razão: não matar, não roubar, honrar pai e mãe…
3 –Positiva – promulgada para levar o ser humano a uma visão de Deus face-a-face. Moisés AT (Gn 3,15) e NT Evangelhos NT (Rm 8,2).
Lei Humana: os homens promulgam no exercício da autoridade. Vejamos:
1 – Eclesiástica: promulgada pela Igreja e outorgada (dada) por Jesus;
2 – Civil: Direito que o Estado sanciona (aprova) para assegurar a reta ordem.
Demonstração da Lei Natural
1º) Povos Primitivos: observavam os preceitos morais básicos: fazer o bem, honrar pai e mãe, cultuar a divindade
2º) Paulo em Rm 1, 24-27 e 2, 14ss, a explicita;
3º) Vaticano II – Lei da consciência (GS, 16);
4º) A razão:
a) Admite a existência do Criador que infundiu nas suas criaturas algumas normas que o encaminham para a vida eterna.
b) Negação: leva a dizer que os atos mais abjetos (imundos) podem vir a ser considerados virtudes. Atribui ao Estado o poder de definir o bem e o mal éticos, legitimação do totalitarismo e da tirania (sistemas).
Reação: A ONU, em 1948, promulga a Declaração Universal dos Direitos do Homem (afirmação da Lei Natural. Também, Tribunais Internacionais).
Objeções quanto à Lei Natural:
O Positivismo (Comte – 1857): só vale o que for da vontade do Legislador;
O Existencialismo ateu: é o homem que define o que é bem e o que é mal;
O Sociologismo Jurídico: todas as normas são frutos da sociedade;
O Tecnicismo contemporâneo: o homem não está sujeito à natureza. Por sua inteligência, remove montanhas, aterra baías, pode alterar sua natureza corpórea. Legitima os meios artificiais no funcionamento do seu organismo. “Se Deus não existe, tudo é permitido” (Sartre). Não observar as leis fisiológicas leva à morte; se não observar as leis morais, também vai ocorrer a morte, a desintegração psíquica e física da pessoa. O homem não é só corpo, é alma também. O Corpo deve obedecer às leis (não comer pedra, não pode deixar de dormir etc.). A pessoa também deve obedecer às leis morais: quantidade de comida, bebida, fumo etc.
Enfim, a lei de Deus, os mandamentos, são sinais de alerta, sinalizações que encontramos no caminho da vida. Chegaremos, mais seguros e felizes ao destino se observarmos fielmente estes sinais. Seguir a Lei de Deus jamais será um peso para o ser humano, mas acima de tudo, uma satisfação.
Na 2ª Leitura (1Cor 1, 22-25), constata-se que, no Novo Testamento, o sinal da aliança não é mais o sangue dos cordeiros, mas o sangue de Cristo. Por isto, no anúncio cristão, o evento pascal não é mais a libertação do Egito, mas o Cristo crucificado. Nesta leitura, o Apóstolo Paulo confirma que a salvação é agora obtida mediante a fé no acontecimento da cruz. A cruz é poder e sabedoria de Deus, porque é capaz de dar a salvação; enquanto a sabedoria humana, judaica ou grega, que não reconhece na cruz uma força salvífica, se torna incapaz de indicar ao ser humano uma via de salvação. Num tempo em que alguns, na evangelização, só priorizam o ‘louvor’, busquemos uma conversão à lógica de Deus.
No Evangelho (Jo 2, 13-25), Jesus, ao visitar o Templo de Jerusalém, mostra sua consciência de como as atividades religiosas podem ser corrompidas pelos interesses econômicos e políticos de alguns grupos dominantes. Neste texto, Jesus nos fala que devemos promover a vida e não as leis do mercado: “Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio”. O Papa Francisco, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, nº 53, também, nos diz: “Não a uma economia da exclusão e da desigualdade social. Esta economia mata, o ser humano é considerado um bem de consumo, descartável, resíduos, sobras etc”.
Os mandamentos do mercado podem ser assim enumerados e confrontados com os mandamentos da Lei de Deus:
1º) Adora o dinheiro;
2º) Usa o nome de Deus para justificar a guerra;
3º) Não guarda o ‘Dia do Senhor’;
4º) Desmonta a família;
5º) Mata e manda matar;
6º) Legaliza o adultério;
7º) Rouba legalmente;
8º) Usa falso testemunho;
9º e 10º) Cobiça tudo por meio da propaganda e dos meios de comunicação.
Jesus nos diz que esse ‘templo mercado’ deve ser destruído, mas Ele se consumiu para reconstruir o templo que é o ser humano: “O zelo por tua casa me consumirá”. Doravante, o verdadeiro Templo é o corpo de Jesus, que morre e ressuscita. Deus não quer habitar somente em edifícios, mas no próprio ser humano.
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Fonte: ARQUIDIOCESE MARINGÁ