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O problema pode ser bem maior do que se imaginava, isso porque assim como acontece nos casos de violência contra a mulher, a violência de cunho sexual contra crianças e adolescentes no território maringaense tem subnotificação superior a 90%. A afirmação é de Aline Câmara – Secretária Municipal da Criança – Sercriança, secretaria que nesta quarta-feira, 18, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Violência Sexual Contra a Criança e o Adolescente, promoveu no plenário da Câmara Municipal uma audiência pública para definir ações que ajudem a antecipar os casos de violência. A secretária explica que o que se faz atualmente, “é proteger crianças e adolescentes que já foram vítimas de abuso”, e que é preciso reverter esse quadro com ações de prevenção.
“Estatísticas não traduzem a realidade; subnotificação de violências sexuais contra crianças podem superar os 90%”, diz a secretária da Criança Aline Câmara
“Hoje infelizmente os números não traduzem a realidade, pois apesar de os dados à disposição mostrarem muitos casos de violência, se estima que 90% dos casos não são denunciados. Para cada caso que vem à tona, pelo menos outros nove não são denunciados e o agressores terminam impunes perpetuando a violência que quase sempre acontece no ambiente doméstico”, analisou Aline Câmara.
Segundo a psicológa Patrícia Michiyori, só em 2021 o Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes – Nucria – registrou mais de 1200 denúncias de violência contra crianças e adolescentes; em 2022 o número de denúncias já é superior a 500.
“O enfrentamento à violência sexual contra a criança passa pela oferta de informação em forma maciça e pela concessão de espaços de diálogo que levem as crianças a terem condições de perceberem excessos e denunciarem violências de cunho sexual, mesmo que não seja de caráter carnal,” disse a secretária.
“Ainda temos no imaginário coletivo que a violência sexual se dá somente quando há conjunção carnal, mas a violência sexual se dá já em situações como passar a mão, permitir ou obrigar crianças a presenciar atos sexuais, ainda que em forma virtual”, completou a secretária.
O prefeito de Maringá, Ulisses Maia também participou da audiência na Câmara. Para ele, além do repúdio à violência que deixa traumas irreversíveis, é preciso desenvolver ações que garantam proteção às crianças.
“Secretaria da Criança vai dar visibilidade para não deixar agressores impunes e oferecer espaço para que crianças e adolescentes denunciem qualquer excesso”, disse o prefeito Ulisses Maia
“SILÊNCIO É A MAIOR BARREIRA”
“Temos que dar visibilidade a tudo o que acontece para não deixarmos que os agressores continuem a atuar impunemente. Acompanhamos de perto as denúncias dos alunos do Instituto de Educação que num ato de coragem denunciaram recentemente supostos casos de violência na escola, e nós queremos encorajar jovens e adolescentes a denunciarem situações que não condizem com o comportamento de cidadãos responsáveis da nossa comunidade”, disse Ulisses, em entrevista a O FATO MARINGÁ.
A ativista social Leonna Moriale acompanhou de perto a situação denunciada pelos alunos do Instituto Estadual de Educação. Leonna, é formanda do IEEM e diz que foi procurada por crianças e adolescentes que se sentiam vítimas de abusos.
“Silêncio ainda é a maior barreira”, diz Leonna Moriale – estudante e ativista social
“Fui procurada por crianças do IEEM e por crianças de outras escolas e participei da manifestação em frente à escola justamente para encorajá-los a reagirem e denunciarem. Crianças me pararam na rua para agradecer minha participação na manifestação, porque segundo eles, as ajudei a quebrar o silêncio. Na maioria dos casos em que uma criança sofre violência sexual, o crime acaba não sendo denunciado por falta de apoio, pois quando denunciam em forma isolada acabam sendo identificadas como agente causador da violência que sofreram”, explica Leonna.
“Queremos ensinar as crianças a identificar os sinais de abuso, como abraços acalorados e carícias no corpo que já são violências sexuais. Existe um limite que precisa ser respeitado na relação entre adultos e crianças, familiares ou não”, concluiu.
“AÇÕES VÃO NA DIREÇÃO DE ANTECIPAR VIOLÊNCIAS”
O vereador Alex Chaves, líder do Executivo na Câmara, disse que o Legislativo tem trabalhado em conjunto com a rede de proteção à criança formada por orgãos como os Conselhos Tutelares, Secretaria de Assistência Social, Nucria, Secretaria da Criança entre outros, para disponham de recursos e instrumentos que ajudem vítimas de violência, mas que sejam capazes também de evitar que esses abusos aconteçam.
“Para que isso não aconteça é necessária uma nova política de prevenção que encoraje as pessoas a denunciar, e a audiência pública de hoje é um exemplo de como teremos que agir para que todos tenham consciência de que é necessário romper com o silêncio e reagir”, disse o vereador do MDB.
VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS AUMENTOU DURANTE A PANDEMIA
Jesiel Carrara, um dos dez Conselheiros Tutelares atuantes em Maringá diz que a violência aumentou muito durante os últimos dois anos de pandemia, e que apesar de a violência ser presente em todas as camadas sociais, a vulnerabilidade social é um dos fatores que contribuiram para o aumento de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes.
“Crianças mais vulneráveis são mais expostas. Rede de proteção tem que ser
reforçada através de políticas púbicas”, diz Conselheiro Tutelar Jesiel Carrara
“Crianças mais vulneráveis são mais expostas. O fechamento das escolas fez com as crianças ficassem mais tempo dentro de casa e muitas vezes acompanhadas por pessoas de confiança dos familiares e da criança, e isso acabou facilitando a ação dos agressores. Quando a criança sofre violência, mas frequenta a escola, a professora acaba notando mudanças de comportamento, agressividade, ou até demonstrando através de um desenho, e a escola, que também faz parte da rede de proteção, tem a possibilidade de sinalizar possíveis casos ao Conselho Tutelar; durante a pandemia, essa rede acabou sendo parcialmente interrompida, e é por isso que temos que promover e criar novas políticas públicas que sejam capazes de reverter o quadro e evitar que a violência aconteça”, disse Jesiel.
“QUEBRAR O SILÊNCIO”
“Brasil muito discutiu e muito deixou de discutir sobre o tema da violência sexual contra crianças e adolescentes nos últimos anos. A audiência pública tem o mérito de quebrar o silêncio sobre o tema”, disse Ailton Morelli – presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Maringá,
O presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Maringá, o CMDCA – professor Ailton José Morelli, disse em entrevista a O FATO “que o Brasil muito discutiu e muito deixou de discutir sobre o tema da violência sexual contra crianças e adolescentes nos últimos anos. Para Morelli, a audiência pública tem o mérito de quebrar o silêncio sobre o tema”, e que a partir de agora é necessário por em prática um plano municipal capaz de eliminar a violência e proteger a criança. Morelli disse ainda que não se deve imaginar que a violência seja praticada somente nas casas de famílias vulneráveis economicamente. “Os problemas sociais são responsáveis somente em parte pelas violências contra crianças. Nós presenciamos muitos casos em famílias conhecidas como “de bem”, onde o fator econômico não tem relação com a violência; nesses núcleos é a falta de diálogo, em famílias dominantes, onde há falta de conversa, criando situações favoráveis para a ação do agressor”.
No próximo domingo, 22, em frente ao Instituto de Educação de Maringá acontece a partir das 9 horas a primeira mobilização de enfrentamento a violência sexual contra crianças e adolescentes. A manifestação pública é organizada pela Secretaria Municipal da Criança.
Carta compromisso assinada pelas autoridades e entidades que participaram da Audiência Pública na Câmara